Saudades






Por Esther Kuperman
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Desembarcar neste pedaço de mundo é sempre emocionante. Mesmo não sendo a terra do leite e do mel, saber que ela existe é um alento. Às vezes, este sentimento me lembra uma frase de um amigo comunista que dizia, nos anos 1980, sobre a antiga União Soviética: com todos os erros e problemas, está lá, para nos lembrar que é possível. Pois é. Trata-se de uma situação parecida. Com o tempo, Israel ficou longe daquele país original, pelo qual suspirávamos e cantávamos ‒ e isto fica claro a cada nova visita ‒, mas resta uma esperança de que tudo volte ao “normal”. Fui recebida pelo meu sobrinho, que agora mora em Kiriat Ono, lugarzinho simpático, bem perto de Tel Aviv. Edifícios feitos durante os anos 1950, jardins cuidados, parques para crianças e até para cachorros, boas estradas, boa infraestrutura... Tudo de que precisamos para viver com conforto, sem luxos desnecessários, sem estar amontoados nos grandes núcleos urbanos. Meu sobrinho e sua esposa fazem parte de uma geração que poderia ser chamada de “novos halutsim”. Fizeram aliá movidos pelo sentimento nacionalista, mas também pela oferta de trabalho na área de tecnologia e de uma qualidade de vida impossível para as classes médias brasileiras, especialmente nos grandes centros urbanos.
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Era quase Shabat quando cheguei, e o país estava parado, uma particularidade desta terra, onde a religião se mistura com as leis. O Shabat aqui, na parte “laica” do país, é o dia em que os cidadãos programam encontros, visitas, churrascos, atividades para as quais não seja preciso mobilizar grandes esforços por parte do poder público. Mas há gente nas ruas, carros nas estradas e alegria nos rostos das crianças. No Shabat de Jerusalém tudo é diferente, e o silêncio é grande. Às vezes, parece que a “Cidade de Ouro” pertence a outro país, tanto pela arquitetura quanto pelo traçado da cidade, mas também pela maneira de vestir e os hábitos da maioria da população. Mas aqui, em Tel Aviv, o Shabat é puro movimento.
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A arquitetura das cidades israelenses é uma boa expressão da História recente deste país. Tel Aviv, especialmente, é um livro, no qual as ruas são as páginas onde se pode ler como cresceram os núcleos urbanos e o que se passou nas últimas décadas. O centro mais antigo da cidade é todo composto de prédios relativamente baixos. Há bairros, como Neve Tsedek, onde as casas pequenas, em estilo mediterrâneo, servem de ateliês para artistas ou brechós e pequenas lojas onde se vendem moda e objetos de decoração, e também pequenos bares e sorveterias. Soube que, apesar das ruas estreitas e da falta de infraestrutura, é um bairro extremamente valorizado, porque passou a ser habitado por artistas. Nisso não há muita diferença entre Tel Aviv e as cidades de todo o mundo, pois basta um bairro ficar conhecido como “bairro boêmio” ou “bairro de artistas” para virar moda. Só espero que não derrubem as casinhas brancas e baixinhas, com janelas pequenas, boas de se debruçar e olhar quem passa, para construir arranha-céus neoclássicos horrendos!

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No centro da cidade, as construções são de tamanho médio. As ruas são mais largas e têm espaço para dois carros. O calçamento é antigo e está um pouco deteriorado. Alguns bairros, como o que fica perto da antiga rodoviária, são compostos por cortiços ou casas precárias, onde vivem imigrantes orientais ou russos. É a tal da globalização que também chegou aqui, trazendo levas de trabalhadores chineses, tailandeses e de toda a Europa Oriental, em busca de trabalho. Mão de obra de baixo custo, eles moram nos lugares mais baratos, que estão deteriorados e não são assistidos pelo Estado. Tudo igualzinho aos outros lugares de todo o mundo, vasto mundo...
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Há ainda um centro histórico, embora não seja considerado assim: nele se encontram os antigos prédios de, no máximo, quatro andares, em arquitetura Bauhaus, representativos da década de 1940, período ou projeto de país que ficou no passado. Mas ainda estão lá, para mostrar que houve um momento em que as diferenças entre as pessoas e os padrões de vida não eram tão grandes, apesar da diversidade cultural. É nessa região que as ruas têm nomes de artistas ou pensadores da cultura judaica da Europa. Dá para imaginar um encontro entre Ahad Haam e Teodor Hertzl? Pois eles se cruzam em uma esquina de Tel Aviv e devem estar muito preocupados com os rumos que suas ideias tomaram... Scholem Aleichem, I.L. Peretz, também estão lá, nas placas das ruas. Como se aquele canto da cidade fosse ainda um lugar para lembrar que existe uma outra alma judaica. Mais para fora do centro, Tel Aviv é outra cidade. Moderna, com ruas muito largas e bem cuidadas, viadutos imponentes, praças e vãos espaçosos. O que mais chama a atenção são as grandes torres que abrigam escritórios de empresas estrangeiras ou apartamentos cujos preços beiram a casa dos milhões... de dólares. Neles moram homens de negócios e membros do atual governo, como Ehud Barak, cujo apartamento ocupa dois andares de uma das torres mais caras da cidade.

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Ao lado, bem perto, existe uma pequena cidade. Tão pequena e tão próxima que já foi incorporada a Tel Aviv. É Iafo, que parece não pertencer àquela parte do país. Tem-se a impressão de que lá o tempo parou. As ruas são estreitas, as casas têm aquele estilo mediterrâneo, típico das construções e dos povoados árabes. Lá vivem artistas, escritores, cineastas, gente que pertence ou é simpatizante dos partidos de esquerda. Os preços das casas e os aluguéis são baratos, a população é bem equilibrada entre árabes e judeus, e a convivência é das melhores. Há até um restaurante, cujos sócios (um árabe e um judeu) servem um ótimo peixe. Já foi pelos ares, pelo menos uma vez, mas recebe a todos com bons sorrisos e saladas, daquelas típicas da terra. Há, também, um mercado de pechinchas e antiguidades – o Shuk ha Pishpishim ‒, que não fica nada a dever aos melhores mercados das pulgas europeus. É preciso guardar um dia inteiro para conhecer esta parte da cidade e seu clima, onde tudo é possível.
Até a paz.
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*Esther Kuperman, historiadora, doutora em Ciências Sociais, membro da representação do Meretz Brasil e coordenadora dos Amigos Brasileiros do Paz Agora no RJ, é diretora da ASA

Comentarios

Lucy dixo…
Triste que até aqui tenhamos que ver textos de colaboradores dos árabes que toleram a tudo, menos judeus que praticam o judaísmo na terra dos judeus...

"Israel ficou longe daquele país original, pelo qual suspirávamos e cantávamos "

Ainda bem. O país que a turma da Esther Kuperman, do shalom akhshav, do meretz e do avodah cantava era aquele do partido único - de esquerda, claro! Aquele onde a cultura secular européia era imposta goela abaixo dos religiosos e dos judeus sefaradim/mizrahim, judeus estes vítimas de racismo do próprio estado esquerdista, o que chegou a causar revoltas nas ruas de Haifa em 59.

Parabéns a Israel do presente. País onde todas as correntes políticas, religiosas e raciais têm vez. Onde a esquerda não domina o debate e impede que qualquer outro que não compartilhe de seus dogmas tenha voz ativa.
Lucy dixo…
Triste que até aqui tenhamos que ver textos de colaboradores dos árabes que toleram a tudo, menos judeus que praticam o judaísmo na terra dos judeus...

"Israel ficou longe daquele país original, pelo qual suspirávamos e cantávamos "

Ainda bem. O país que a turma da senhora Esther Kuperman, do shalom akhshav, do meretz e do avodah cantava era aquele do partido único - de esquerda, claro! Aquele onde a cultura secular européia era imposta goela abaixo dos religiosos e dos judeus sefaradim/mizrahim, judeus estes vítimas de racismo do próprio estado esquerdista, o que chegou a causar revoltas nas ruas de Haifa em 59.

Parabéns a Israel do presente. País onde todas as correntes políticas, religiosas e raciais têm vez. Onde a esquerda não domina o debate e impede que qualquer outro que não compartilhe de seus dogmas tenha voz ativa.