Shema Europa...


Por Julio Bejar
Galicia Hoxe - 27.01.2011
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Escuita, Europa, o vindeiro dia 27 celebra-se por quinto ano consecutivo o Memorial Internacional das Vítimas do Holocausto. A Asociación Galega de Amizade con Israel (AGAI) tem promovido em todas e cada uma das suas edições diversas iniciativas encaminhadas a comemorar essa data, na que em 1945 o exército soviético entrava no complexo concentracionário de Auschwitz-Birkenau. Este ano a AGAI, para além doutras propostas, vem de solicitar ao concelho de Vigo que inclua no seu rueiro o nome do Doutor Eduardo Martínez Alonso, que salvou a vida de centenares de judeus numa rede clandestina de fogida.
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Por que comemorar às vítimas da Shoá?
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Ao analisarmos a Shoá apresenta-se sempre a necessidade de explicar o irracional em termos racionais. Historicamente, supus o primeiro intento por destruir um povo fisicamente até o último dos seus integrantes, como resulta evidente no fúnebre reconto dos números que eram tatuados na pele em Auschwitz codificando as distintas etapas da destrucção da judearia europeia, e no programa rigorosamente sistemático ideado e implementado pelos promotores desta forma de tanatopolítica.
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Em apenas três anos e sete meses foram assassinados seis milhões de judeus –deles milhão e meio de crianças- e outros cinco milhões de ciganos, homosexuais, testemunhas de Jeová, discapazitados e disidentes. Como sinala Primo Levi em “Se isto é um homem”, a própria maneira escolhida para exterminar era ostensivelmente simbólica: cumpria usar, e usou-se, o mesmo gas venenoso que se utilizava para desinfectar as estibas dos barcos e os locais infestados de piolhos.
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Mas o Holocausto não é singular pelo número de vítimas em que derivou; Rússia, por exemplo, perdeu arredor de vinte milhões de habitantes durante a 2ª Guerra Mundial. A característica distintiva da Shoá, porém, é a da aniquilação duma cultura na sua totalidade. A judearia de Europa do Leste deixou de existir para sempre. A Shoá não tem tanto a ver com o número de mortos, senão com uma maquinária perfeitamente desenhada para eliminar aos judeus como categoria.
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Sabido é que Europa não moveu um só dedo durante esses três anos e sete meses em que a máquina de extermínio funcionou dia e noite (e nomeadamente Espanha, o único lugar do continente onde os názis não chegaram jamais a serem derrotados militarmente). Europa sempre teve uma certa ofuscação com o extermínio de judeus; às vezes moderada, às vezes exacerbada, mas de maneira crônica sempre latente: as matanças às mãos dos Cruzados, a Santa Inquisição, os pogromos russos do XIX e, finalmente, a Shoá como expressão mais depurada dessa civilização capaz de designar num grupo diferente a esse “outro” a quem violar, saquear e assassinar a vontade.
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O ódio contra o judeu é um ódio velho e único, rastrexável nas sociedades paganas e nas religiosas; em sistemas parlamentários e sob regimes totalitários. Durante a Diáspora foram acusados de conspiradores cosmopolitas, e agora que vivem num Estado de seu são tildados de ferozes razistas. Se para serem aceitados renunciam à sua identidade e se asimilam nas sociedades nas que vivem, suspeita-se que exercem o quintacolunismo; do contrário, acusa-se-lhes de querer viver isolados em ghettos. Se invistem o seu dinheiro é porque são os amos do mundo, e se o aforram, uns porcos avarentos.
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Shylock, o mercader de Venézia, num belíssimo monólogo de Shakespeare, pergunta-nos se acaso um judeu não tem olhos, se não tem mãos, órgaos, sentidos, afectos, passiões? A resposta de Europa sempre tem sido que não, que os judeus bebem o sangue dos não judeus, que provocam pragas e emponzonham os pozos, que se reúnem em segredo para ordear a conquista do mundo, que foram os assassinos do mesmíssimo Deus. Não há ódio mais antigo e irracional que este contra os judeus.
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Perguntar, portanto, pela causa da Shoá, pela causa da judeofóbia é tão absurdo como perguntar à vítima duma violação se o vestido que levava era demassiado atrevido. Ao perguntarmos pela causa da judeofóbia estamos presupondo que a vítima é culpável sequer em certa medida.
Os judeus foram simplesmente o chivo expiatório eligido nos anos trinta, os culpáveis do advenimento do nazismo, igual que dizemos que o culpável da expansão yihadista dos nossos dias é o Estado opressor judeu. O antisemitismo dos nossos dias, depois de que em 1948 – tras 2000 anos - a soberania judia fosse ré-estabelecida no território histórico de seu, focaliza-se no Estado de Israel. A principal manifestação do antisemitismo actual é o antisionismo, o intento de deslegitimar esse Estado para impedir que os judeus se possam defender.
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A 65 anos de distância podemos afirmar que a comunidade internacional aprendeu algo tremendamente cruzial do Holocausto: que o assassinato em massa de milhões de judeus é algo que remata sendo socialmente aceitável; e os islamistas, nas suas variantes mais esquizoides, são quem melhor têm asimilado esta lição.
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É a nossa obriga moral lembrar permanentemente para que aquilo não se repita.
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Elie Wiesel, supervivente judeu dos campos, diz numa das suas páginas mais comovedoras: “Nunca esquecerei os rostos pequenos das crianças, cujos corpos vim converter-se em espiral de fume baixo um silencioso céu azul. Nunca esquecerei essas lapas que consumiram para sempre a minha fê. Nunca esse silêncio nocturno que me privou, para toda a eternidade, do desejo de viver. Nunca”.
Nunca mais.

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