Por Aidan Beatty
Na Páscoa de 1903, na cidade de Quichinau, no que é hoje a República da Moldávia, durante quatro dias teve lugar um motim anti-judeu. No grande esquema da história judaica, o Pogrom de Kishinev nom foi o mais violento dos acontecimentos; apenas 47 de Judeus foram mortos. Na história política moderna judaica, no entanto, o Pogrom de Quichinau (Kishinev na altura) foi de grande importância, já que sua violência acarretou um enorme aumento no apoio ao sionismo, movimento que, desde a sua fundaçom na década de 1880, pôs em causa a tese de que os Judeus podiam ter futuro na Diáspora. O Pogrom também se tornaria num grande evento internacional, confirmando, para muitos ocidentais, umha visom estereotipada da barbárie russa, bem como a visom de que os Judeus russos estavam nuhma situaçom perigosa enfravam um futuro incerto.
O Pogrom de Kishinev de 1903 converteu muitos Judeus ao sionismo e também convenceu o radical irlandês e jornalista Michael Davitt da justiça da causa do nacionalismo judaico.
Foi neste contexto de atençom internacional generalizada que o jornal"New York American" de William Randolph Hearst anunciou, em maio de 1903, que "Michael Davitt vai para a Rússia como comissário especial do "American's" para investigar os massacres dos Judeus." A alegaçom do jornal foi que "nengum homem está melhor equipado do que este irlandês amante da liberdade para dar ao mundo a verdadeira história da carnificina que já foi feita e da ruína que foi forjada polos fanáticos." [1] No seu livro subsequente sobre o Pogrom de Quichinau, "No Pale: a verdadeira história das perseguições antissemitas na Rússia" (1903), Davitt declarou "eu regressei da viagem através do Pale judeu como crente convicto na soluçom do sionismo." [2]
Nas suas pesquisas jornalísticas, Davitt também afirmou ter visto algo muito familiar entre a populaçom judaica das regiões do sul do Império Russo. Ele comparou a polícia czarista com a RIC e falou em como os Judeus russos estão "encurralados e cercados de leis penais," [3] um termo de uso inequívoco para um nacionalista irlandês! Davitt projetou claramente as suas próprias crenças nacionalistas irlandesas sobre a situaçom da Judiaria russa, e viu as duas nações, Irlandeses e Judeus, perante umha opressom compartilhada e umha compartilhada falta de soberania política.
De facto, o sionismo e o nacionalismo irlandês tiveram umha longa e estranhamente interligada história. Quando o governo britânico anunciou o seu apoio ao sionismo no início de novembro de 1917, foi sob a forma dumha carta do ministro dos Negócios Estrangeiros, Sir Arthur Balfour, a Lord Rothschild, um dos principais membros da comunidade judaica britânica. Balfour fora Secretário-Chefe para a Irlanda e era um acérrimo opositor de qualquer autonomia política irlandesa. Pouco tempo após a emissom da Declaraçom de Balfour, o governo britânico invadiu a Palestina e, em 25 dezembro, apossou-se de Jerusalém, garantindo o que David Lloyd George chamou de "presente de Natal para o povo britânico."
Porém, este brilho em breve se desgastou, enquanto escalou a oposiçom palestiniana ao domínio britânico e ao sionismo, começando com os tumultos Nebi Musa da Páscoa de 1920. Encontrando-se no controlo dum país cada vez mais volátil, os Britânicos chamaram Hugh Tudor. Veterano da Segunda Guerra Boer, Tudor tinha terminado recentemente a sua postagem na Irlanda como chefe dos Black and Tans e muitos ex-Tans juntaram-se a ele na Palestina, ao se estabelecer a força policial da Grã-Bretanha lá. Estes homens, provavelmente, sentiram umha sensaçom estranha de déjà vu durante a Revolta Árabe de 1936-39, quando umha campanha de guerrilha popular fez com que os britânicos perdessem o controlo de grande parte do país. De facto, um dos melhores estudos sobre a Palestina britânica chama apropriadamente este o período de "Irlanda na Palestina, "[4], e essa sensaçom de déjà vu em breve iria intensificar-se.
Em 1939, quando a guerra pairava na Europa, o governo britânico, desesperado para pacificar esta exploraçom imperial estrategicamente importante, publicou um Livro Branco que limitava muito a imigraçom para a Palestina. Tal suspensom da imigraçom sionista foi umha exigência central palestiniana, mas da perspectiva judaica isso era abominável; enquanto o controlo de Hitler lastrava pola Europa, o acesso a um dos últimos refúgios judeus estava a ser cortado.
Muitos membros da polícia britânica no Mandato da Palestina eram veteranos da contra insurgência na Irlanda.
Enquanto a liderança sionista dominante achou que nom tinha escolha mas para o lado dos britânicos durante a guerra contra o nazismo, elementos nacionalistas mais radicais sentiram que a Grã-Bretanha devia ser atacada independentemente. Muitas destas últimas forças uniram-se em torno de Avraham Stern, e ficou conhecido como LEHI (Lochamei Herut Yisrael, Combatentes pola Liberdade de Israel).
Quando os guerrilheiros sionistas confrontaram as forças britânicas na Palestina no final da década de 1930 e de 40, foi na Irlanda e no IRA que se inspiraram
Os paralelos com a Irlanda durante e antes da guerra mundial eram claros, e Stern devidamente passou a traduzir "A Vitória do Sinn Féin"de P.S.O'Hegarty para o hebraico. [5] A influência involuntária de O'Hegarty nos sionistas é talvez mais insinuada polo fato de Yitzhak Shamir, futuro primeiro-ministro israelense, mas ativista clandestino do LEHI na década de 1940, escolheu o nome de guerra 'Michael', em homenagem a Michael Collins. [6] Do mesmo modo, Avsahlom Haviv, membro do ETZEL (Irgun Tzvai Leumi, a Organizaçom Militar Nacional), um grupo sionista um pouco mais moderado do que o LEHI, citou George Bernard Shaw durante o seu julgamento por ações anti-britânicas violentas, e acusou os britânicos de "afogamento do Levante irlandês em rios de sangue ... a Irlanda é agora livre apesar de vocês'. [7] Que um sionista radical de direita estivesse tam atraído polo nacionalismo irlandês deveu ter sido mais umha experiência ímpar para aqueles veteranos da Guerra da Independência Irlandesa agora servindo na Polícia Palestina.
Nom foi apenas os sionistas mais radicais, porém, que viram um paralelo com a Irlanda. Os sionistas moderados também se interessaram com isso. Isto foi em parte por causa da presidência irlandesa da Liga das Nações, sob cujos auspícios o controlo britânico sobre a Palestina foi supostamente concedido. Mesmo que a Liga das Nações permaneceu como umha organizaçom de papel, esta criou umha situaçom divertida, ao fazer com que a Grã-Bretanha fosse, na teoria, responsável perante um órgão chefiado por umha liderança nomeada por de Valera. Também significou que Ze'ev Jabotinsky, um sionista de direita, embora aquele que nunca foi tam radical como os seus seguidores, estava em Dublim no início de 1938 em busca de apoio diplomático para o seu movimento.
Ele foi apresentado a de Valera por Robert Briscoe, ele próprio de origem judaica, bem como um defensor do sionismo revisionista. Jabotinsky visitou o Dáil, reuniu-se com os principais membros da pequena comunidade judaica de Dublim e no final de sua visita pronunciou num discurso que "eu sempre fui um admirador" de de Valera ', e eu acho que ele tem umha personalidade mais marcante." [8] De facto, Robert Briscoe, na sua autobiografia de 1958, fornece um relato fantasioso da reuniom de Jabotinsky com de Valera. O Taoiseach aparentemente era cético quanto à justeza do projeto sionista, umha situaçom para a qual o visitante teve uma resposta:
"Senhor de Valera" -disse Jabotinsky- "Eu tenho lido a história da Irlanda. Como resultado da grande fome de 1847 e 1848, eu acho que a populaçom caiu de 8 para 4 milhões. Agora supondo que a populaçom irlandesa tivesse sido reduzida a cinquenta mil e o país tivesse sido reassentado por Galeses, Escoceses e Ingleses, o senhor, entom, teria desistido do pedido dumha Irlanda para os irlandeses? "
O Taoiseach irlandês Eamon de Valera reuniu-se com o ativista sionista Zeev Jabotinsky através do ativista judaico do Fianna Fail Robert Briscoe em 1938
Quando de Valera retorquiu que os Irlandeses nunca iriam abandonar a Irlanda, Jabotinsky disse que nem os Judeus poderiam desistir da sua reivindicaçom para a Palestina. Briscoe registra que "eu nom tenho certeza, mas acho que o Chefe estava convencido por estes argumentos. Certo é que eu era. " [9]
Quando a Comissom Real de 1937 sobre a Palestina recomendou a partilha da Palestina, os sionistas tinham outro motivo para se interessar com o curso da história irlandesa. Judah Leb Magnes, chefe da Universidade Hebraica de Jerusalém e vulto da tese da binacionalidade, umha vertente utópica do sionismo que procurava criar um Estado Judeu-Árabe harmonioso, foi tam longe para buscar os pensamentos de Eamon de Valera sobre a partiçom. A carta original Magnes nom parece ter sobrevivido (nom está incluída tanto nos papéis de de Valera em UCD nem nos papéis de Magnes no Arquivo Central para a História do Povo Judeu na Universidade Hebraica de Jerusalém), mas na resposta que se conserva de de Valera, ele dá umha ótica íntima dos seus pontos de vista sobre partiçom, traça umha comparaçom explícita entre a Irlanda e na Palestina e sugere que Magnes via as cousas da mesma forma:
"Eu nom conheço o problema da Palestina como o senhor, mas a partir do conhecimento do que significa a partiçom na Irlanda agora, e do que estou convencido de que vai significar no futuro, eu cheguei à mesma conclusom que o senhor tem, ou seja: somente por negociaçom e livre acordo livre entre Judeus e Árabes... pode haver uma soluçom satisfatória. Considero que a partiçom é talvez a pior das muitas soluções que foram propostas". [10]
Na verdade, quando de Valera foi visitado nesta altura polo líder britânico sionista, Prof. Selig Brodetsky, Robert Briscoe alertou-o para"nom defender a divisom da Palestina, explicando-lhe como o Chefe reagiria diante dessa palavra." [11]
Usando umha analogia com a Irlanda, de Valera desaconselhou a partilha da Palestina entre Árabes e Judeus
Seja como for, a Palestina foi dividida pouco mais de umha década depois, e no ano seguinte o entom ministro dos Negócios Estrangeiros, Sean McBride, anunciou ao Dáil: "O nosso sofrimento comum de perseguiçom e certas semelhanças nas histórias das duas raças cria um vínculo especial de simpatia e compreensom entre os povos irlandês e judeu." [12]
Mas, com certeza, assim como existem comparações a serem feitas entre sionismo e nacionalismo irlandês, existem também muitas diferenças. O puritanismo sexual do nacionalismo irlandês, diretamente influenciado polo catolicismo conservador, foi o grande ausente no sionismo. Além disso, o sionismo nos seus anos de formaçom foi muito mais próximo da ideologia socialista. Assim sendo, o início da história do movimento sionista é salpicado com nomes como Poalei Tzion [Trabalhadores de Siom] e Achdut HaAvoda [Unidade do Trabalho], bem como o movimento Kibbutz. Isso está em contraste gritante com o nacionalismo irlandês contemporâneo, que muitas vezes gostava de afirmar estar acima das ideologias (embora tal afirmaçom seja, com efeito, inerentemente ideológica!).
O sionismo estava desprovido do puritanismo sexual comum no nacionalismo irlandês do início do século XX e foi mais influenciado polas ideias socialistas. Teve também muito mais sucesso em reviver o hebraico do que os nacionalistas irlandeses em reviver a língua irlandesa.
É irônico, entom, que desde o final da década de 1960, enquanto a corrente principal do sionismo se foi movendo cada vez mais para a direita, o republicanismo irlandês foi indo na direçom oposta, assumindo tons mais explicitamente socialistas e anti-imperialistas, e descobrindo um suporte para o nacionalismo palestino. Em 2002, por exemplo, durante o auge da Segunda Intifada, An Phoblacht, declarou que: "O presidente do Sinn Féin Gerry Adams expressou o apoio aos palestinianos sitiados e o seu líder ... O tempo de Ariel Sharon no poder tem sido marcado por ações repressivas semelhantes aos piores anos da opressom britânica na Irlanda". [13] Isto dista muito longe, de facto, do apoio de Michael Davitt ao sionismo cem anos atrás ou da declaraçom dos tempos em que "Israel representa o triunfo do Sinn Féin". [14]
Talvez a diferença mais óbvia, porém, é o sucesso que teve o renascimento da língua hebraica, em contraste com a falha gritante do renascimento da língua irlandesa. Por volta de 1940, nom apenas havia umha relativamente rica cultura da língua hebraica impressa na Palestina, mas o hebraico também se tornara numha próspera língua nacional, com umha gíria bem desenvolvida, muitas vezes grafada, surpreendentemente, em iídiche ou árabe. Num certo momento, os líderes sionistas aceitaram que umha língua vernácula nom podia conservar-se gramaticalmente pura ou livre de palavras de empréstimo ou de influência estrangeira (a partir dumha perspectiva sionista nom importa a problemática dainfluência estrangeira) e esta foi umha das principais razões para o sucesso do renascimento da língua hebraica.
Desde a década de 1960 os republicanos irlandeses identificam-se mais com a causa palestiniana, acusando Israel de "ações repressivas parecidas com os piores anos de opressom britânica na Irlanda"
O fracasso dos nacionalistas irlandeses a aceitar algo como isto, antes ou depois de 1922, foi um dos elementos chave do seu fracasso para reviver a língua irlandesa. Eles continuaram a ver o irlandês como o repositório dumha cultura gaélica pura, livre de influências inglesas, e assim continuou a obcecar sobre noções de pureza linguística. Mas a pureza linguística, como pureza racial ou nacional, é um mito. Os nacionalistas irlandeses nom conseguiram reconhecer que todas as línguas vernáculas estám em movimento constante, pegando constantemente de empréstimos doutras línguas, e raramente se conservam gramaticalmente puras. Ao invés de proteger e revitalizar a língua, o Estado irlandês, portanto, em última análise, sufocou-a.
Texto tirado de The Irish History.
O autor, PhD na Universidade de Chicago, explora a partir do seu doutoramento as ligações entre o nacionaliso irlandês e judaico.
NOTAS:
[1] New York American, 13 maio 1903, em TCD Michael Davitt Papers MS9670 Press Cuttings, September 1902-May 1903.
[2] Michael Davitt. Within the Pale: The True Story of Anti-Semitic Persecution in Russia (New York: Barnes and Noble, 1903) 86.
[3] Ibid, 233-234, 82.
[4] Tom Segev. One Palestine, Complete: Arabs and Jews Under the British Mandate (New York: Henry Holt, 2001) 415
[5] Colin Shindler. The Land Beyond Promise: Israel, Likud and the Zionist Dream (London: I.B. Tauris, 2002) 31
[6] Colin Shindler. Letter: ‘Sinn Fein [sic] and the Zionists’ The Guardian, 23 May 2003.
http://www.guardian.co.uk/theguardian/2003/may/23/guardianletters
[7] Shindler, ‘Land Beyond Promise’ (2002) 31.
[8] Irish Independent, 8 & 12 janeiro 1938.
[9] Robert Briscoe; Alden Hatch. For the Life of Me (Boston MA: Little, Brown & Co., 1958) 264-265.
[10] CAHJP Judah Leb Magnes Papers P3/2424, Letter to Judah Leb Magnes from Eamon De Valera, 10 September 1937.
[11] Briscoe, ‘For the Life of Me’ (1958) 266.
[12] Shulamit Eliash, The Harp and the Shield of David: Ireland, Zionism, and the State of Israel (London: Routledge, 2007) 102. Quoted in Peter Hession. ‘Advanced Nationalism and Zionism: Contradictions and Explanations’, paper presented at Irish and Jewish Identities: Links and Parallels, Conference, University of Chicago, 22 February 2011.
[13] ‘Defend Palestine’, An Phoblacht, 4 abril 2002. http://www.anphoblacht.com/contents/8600
[14] Sinn Féin, 16 Mar. 1912, p. 2. Quoted in Hession ‘Advanced Nationalism’ (2011).
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