Alguns pensamentos a propósito de negociações de paz "por ultimato":


Por Inacio Steinhardt

Desde Tel Aviv - 21.07.2013

Vimos e ouvimos na televisão e na rádio, lemos nos jornais: o Secretario de Estado americano regressou a Washington aliviado, anunciando que conseguiu finalmente que os representantes dos israelitas e dos palestinianos voltem a sentar-se frente a frente, na mesa das negociações de paz.

Será que ele acredita nisso? Estará conven...cido?

Sou um modesto observador, para quem o estabelecimento da paz nesta região tem pessoalmente uma importância vital. Não estou no segredo da alta política.

Mas, sabem que mais, eu não acredito.

Um ultimato americano para Ramallah, outro para Jerusalém, e o milagre foi conseguido. Vamos assistir ao fim de um conflito que se arrasta, ceifando vidas e destruindo bens e propriedades, há mais de cem anos!

Ouvi, ontem à noite, uma mesa redonda num dos canais da televisão israelita; prestei bem atenção às diversas interpretações das diversas facções israelitas.

Ainda não ouvi, nem li, o que dizem as forças vivas palestinianas. Apenas uma declaração do Hamas afirmando, uma vez mais, que o presidente Mahmud Abbas não representa ninguém. Outros pensarão da mesma maneira. Está tudo dito.

Significa isto que este conflito não tem solução? Não significa tal. Apenas que a solução é muitíssimo mais difícil do que se possa pensar, e que não se pode comparar de forma algumas com outros conflitos "semelhantes", que se têm apontado, de vez em quando, como exemplos de solução.

A meu ver – poderei estar enganado – todos os mediadores estão errados na forma como conduzem as suas diligências. E o Secretário Kerry não está menos enganado do que os outros.

Eu digo que o método deveria ser invertido.

Não começar por uma solução dos problemas mais graves, pelas dissidências mais acérrimas, para as quais não há acordo possível a curto, ou mesmo a médio prazo.

Entre os israelitas e palestinianos há muitas dezenas de dissidências e de problemas não resolvidos. Dizem que há 100 problemas que opõe os dois povos de dentes arreigados, um perante o outro. Não importa o número, mas são muitos.

Não são todos do mesmo grau de dificuldade. Alguns até já foram solucionados, por si, sem que nós nos demos conta.

Senão vejamos as transplantações de órgãos de israelitas para palestinianos e de palestinianos para israelitas, vidas que foram salvas sem olhar a raças e a religiões, e que uniram para sempre famílias de ambos os lados da fronteira imaginada.

Vejamos os doentes palestinianos tratados em hospitais israelitas, automóveis que os donos israelitas levam à revelia das autoridades a mecânicos palestinos, o comércio entre uns e outros, centenas de camiões que circulam de um para o outro lado. Porquê? Porque uns e outros têm conveniência nisso, só têm a ganhar com esse intercâmbio.

E já foi muitíssimo mais. Há 30 anos, eu ia com a minha mulher ao mercado de Kalkília (Palestina) abastecermo-nos de frutas e legumes frescos mais baratos. Estavam cheios de israelitas fazendo compras. Depois começaram os atentados, a Intifada, e perderam os vendedores palestinianos, perderam os compradores israelitas.

"Desmontem-se os colonatos israelitas na Cisjordânia!" Politicamente está certíssimo. Na prática, há centenas de palestinianos que trabalham para esses colonatos. Sem eles não teriam trabalho.

A União Europeia "protege" a Autoridade Palestiniana, boicotando os produtos das fábricas israelitas que trabalham junto a esses colonatos. Já alguém na Europa pensou qual a razão dessas fábricas se instalarem onde estão? É a mão-de-obra palestiniana que trabalha nessas fábricas. Se parar a exportação para a Europa, a fábricas terão de fechar e os trabalhadores perdem o pão dos seus filhos. Eles já protestam, mas ninguém os ouve em Estrasburgo e em Bruxelas.

O que eu digo, meus amigos, é que, nesta altura não deveriam discutir os "grandes problemas" – colonatos, capital, Cidade Velha de Jerusalém, fronteiras.

Em qualquer acordo sobre esses problemas gigantescos, nenhum dos governos, de qualquer dos lados, poderá resistir a crises ministeriais. E lá se vai o trabalho do senhor Kerry, com as culpas atribuídas mutuamente…

Em vez de deixar a solução dos problemas mais fáceis para depois do acordo de fronteiras e de paz, deveriam formar agora uma comissão mista de gente séria, consciente do interesse dos povos da região, que começaria por elaborar uma lista dos tais "cem problemas". Depois classifica-los por ordem decrescente de dificuldade de solução.

E finalmente principiar por chegar a acordo sobre essas soluções, começando pelos mais fáceis.

A resolução de diferendos fáceis de solução não implicaria na dissolução da coligação de Netanyahu, que alguns parceiros já ameaçaram ao primeiro sinal do acordo "Kerry", nem levariam o Hamas e a oposição palestiniana a demitir o presidente Abbas. Uns e outros poderiam continuar sossegadamente a resolver os seus problemas internos, que não são poucos.

Nalguns casos talvez seja necessário dinheiro, que nenhum das partes tem. Mas aí talvez os americanos (e os europeus, até os países do petróleo) encontrassem melhor uso para as suas contribuições, em vez da compra de armas, e com certeza muito mais economicamente.

Resolver-se-iam problemas como a fábrica improvisada de carvão vegetal no lado palestiniano, que causa grave poluição do lado israelita da fronteira; os detritos tóxicos nos esgotos, e a pouco e pouco os problemas de saúde, da agricultura, da exportação. A distribuição das águas e da electricidade, a utilização dos modestos hidráulicos.

A pouco e pouco, ambas as partes sentiriam os benefícios desses pequenos "acordos de paz". Sobretudo as populações sentiriam que lhes vale a pena.

Poderá levar anos. Mas já se desperdiçaram cem anos. Dez anos não seriam agora desperdiçados para conseguir essa míni-paz.

Quando chegasse finalmente a vez de atacar o problema da fronteira, os lugares santos, o estatuto dos habitantes dos colonatos judaicos e das populações árabes palestinianas dentro de Israel, não só os negociadores já estariam bem treinados para encontrar soluções, como os problemas já se terão tornado liliputianos comparados com o que são hoje.

Claro que continuaria a haver aqueles que se portam como crianças que têm os seus brinquedos, mas que querem também à força os brinquedos do vizinho. Mas esses perderão muito da sua força política.

O princípio que aqui deixo enunciado não é da minha autoria. Ouvi-o, em linhas gerais, precisamente em Lisboa, ao então deputado israelita Abraham Burg. Limitei-me apenas a glosa-lo um pouco.

Bom seria que chegasse, como matéria para pensar, aos dirigentes envolvidos, e nas línguas que eles entendem.

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