Por Júlio Béjar*
“Na Europa emergente o judeu será coisa do passado. O rasto deste povo infeliz desaparecerá bem cedo. E pergunto-me quem será eligido como chivo expiatório quando já não quedem judeus.” (Douglas Miller, “Não fagas negócios com Hitler”, 1941)
Desde bem novo sentim uma extranha fascinação por Israel, pelo extraordinário feixe de logros em todas as ordes que os seus cidadãos desenvolveram, para além da sua surprendente insignificância territorial e numérica, e pelo rechaço que, incomprensivelmente, provocavam fóra das suas fronteiras sendo culpabilizados de todos os males do mundo. Essa fascinação acrescentou-se quando me aproximei à sua história e, sobretudo, quando me inteirei de que o meu próprio apelido era de procedência hebraica. E o que resulta mais importante: quando observei que habitualmente era odiada e despreçada por aqueles que, assimesmo, contavam com a minha recíproca animadversão e despreço.
A saga de Israel constitui um relato fascinante onde o heroísmo e a capazidade de padecimento e sacrifício correm parelhos pelas veias dum povo humilhado e maltratado como nenhum outro na História.
Israel não é uma nação normal. Carece no seu pulo fundacional do odioso narcisismo colectivo que adorna sempre os baratos e falazes discursos patrioteiros. Não existe paralelismo algum com este povo que arrasta mais de quatro mil anos de continuidade histórica, que tem protagonizado o insólito fenômeno da sua reunificação e do renascimento mais vigoroso da sua língua e cultura após tantos séculos. Nem sequer a sua religião é uma religião normal. Não acharedes nada semelhante à indestrutível ligação entre o credo e a nacionalidade judia. Nem sequer o sionismo tem nada a ver com qualquer outro movimento de libertação de qualquer tempo ou lugar. Os povos que têm lutado pela sua emancipação sempre têm seguido o esquema de expulsar o invasor e declarar a independência. No caso de Israel a tarefa foi avondo mais titânica: convocar um povo disperso na diáspora e libertar a sua terra de virreis estrangeiros. Porque Israel, desde a destrucção do Segundo Templo e o começo do exílio no 70 a.n.e., nunca foi até os nossos dias pátria de nenhum outro povo, senão apenas o território submetido por diferentes administrações, desde os romanos, passando pelo Turco até o protectorado britânico. Mas sempre houvo lá presença documentada de judeus que a tinham por pátria de seu..Não, o sionismo também não é um movimento de libertação nacional ao uso..
Dois mil anos de perseguição, conversões forçosas, destrucção, exílio e holocausto, não bastaram para rematar com o sonho de volver algum dia à Terra de Israel, o Estado soberano e seguro para os judeus perseguidos e massacrados ao longo da Terra, e que Herzl entendera como única vía garante para a supervivência dos judeus no exílio. Um Estado onde puidessem viver livremente e serem donos do seu próprio destino; desde onde combater e derrotar aos seus inimigos jurados. Onde deixar de ser a escória sobre a que cuspir e à que cumpre erradicar.
Israel não é só uma minúscula extensão territorial perdida no Meio Leste, cujo tamanho apenas abrangue o 10% de Síria, o 4% de Marrocos, o 2% de Egito ou o 1% de Líbia. Não. Israel é a prova inquestionável de que o Povo Judeu tem logrado sobreviver a um exílio milenário que rematou há pouco mais de meio século com a fundação do Estado Judeu. Quer dizer, com a implementação do programa sionista, que a judeofóbia nas suas distintas variantes, a cada qual mais disparatada, não é quem de suportar. A ideia tolerável contemporaneamente do judeu, no melhor dos casos, é a de Ana Frank: a ideia duma judía morta –e que se tiver ousado sobreviver teria sido automaticamente considerada culpável de “crimes contra a humanidade”.
Para os que nascimos a partir da segunda metade do século XX não é possível entender racionalmente a nossa época sem a clarividência funesta da Shoá, do extermínio na sua variante mais definitiva e hipertrofiada nos lager concentracionários. E isso é o que dota plenamente de sentido a data refundacional de 1948 e a defesa do Estado de Israel como baluarte contra o escurantismo e as formas de barbárie todas.
Israel significa para mim um miragroso anacronismo, uma comunidade nómada que se resistiu a desaparecer na conjura genocida dos séculos e no vértigo do consumo imediato dos nossos dias. É por isso que quando em Shabat uma jovem de Hebron ou Jerusalém prende o azeite na ponla duma menorá à caída da tarde, não faz senão rememorar a fascinação que sentiu Moisés aos pés do monte Horeb diante daquela silveira ardendo, no assombro reinventado numa rara elipse detida e imóvel.
Como uma frecha projectada num profundo sono de mais de quatro milênios.
“Na Europa emergente o judeu será coisa do passado. O rasto deste povo infeliz desaparecerá bem cedo. E pergunto-me quem será eligido como chivo expiatório quando já não quedem judeus.” (Douglas Miller, “Não fagas negócios com Hitler”, 1941)
Desde bem novo sentim uma extranha fascinação por Israel, pelo extraordinário feixe de logros em todas as ordes que os seus cidadãos desenvolveram, para além da sua surprendente insignificância territorial e numérica, e pelo rechaço que, incomprensivelmente, provocavam fóra das suas fronteiras sendo culpabilizados de todos os males do mundo. Essa fascinação acrescentou-se quando me aproximei à sua história e, sobretudo, quando me inteirei de que o meu próprio apelido era de procedência hebraica. E o que resulta mais importante: quando observei que habitualmente era odiada e despreçada por aqueles que, assimesmo, contavam com a minha recíproca animadversão e despreço.
A saga de Israel constitui um relato fascinante onde o heroísmo e a capazidade de padecimento e sacrifício correm parelhos pelas veias dum povo humilhado e maltratado como nenhum outro na História.
Israel não é uma nação normal. Carece no seu pulo fundacional do odioso narcisismo colectivo que adorna sempre os baratos e falazes discursos patrioteiros. Não existe paralelismo algum com este povo que arrasta mais de quatro mil anos de continuidade histórica, que tem protagonizado o insólito fenômeno da sua reunificação e do renascimento mais vigoroso da sua língua e cultura após tantos séculos. Nem sequer a sua religião é uma religião normal. Não acharedes nada semelhante à indestrutível ligação entre o credo e a nacionalidade judia. Nem sequer o sionismo tem nada a ver com qualquer outro movimento de libertação de qualquer tempo ou lugar. Os povos que têm lutado pela sua emancipação sempre têm seguido o esquema de expulsar o invasor e declarar a independência. No caso de Israel a tarefa foi avondo mais titânica: convocar um povo disperso na diáspora e libertar a sua terra de virreis estrangeiros. Porque Israel, desde a destrucção do Segundo Templo e o começo do exílio no 70 a.n.e., nunca foi até os nossos dias pátria de nenhum outro povo, senão apenas o território submetido por diferentes administrações, desde os romanos, passando pelo Turco até o protectorado britânico. Mas sempre houvo lá presença documentada de judeus que a tinham por pátria de seu..Não, o sionismo também não é um movimento de libertação nacional ao uso..
Dois mil anos de perseguição, conversões forçosas, destrucção, exílio e holocausto, não bastaram para rematar com o sonho de volver algum dia à Terra de Israel, o Estado soberano e seguro para os judeus perseguidos e massacrados ao longo da Terra, e que Herzl entendera como única vía garante para a supervivência dos judeus no exílio. Um Estado onde puidessem viver livremente e serem donos do seu próprio destino; desde onde combater e derrotar aos seus inimigos jurados. Onde deixar de ser a escória sobre a que cuspir e à que cumpre erradicar.
Israel não é só uma minúscula extensão territorial perdida no Meio Leste, cujo tamanho apenas abrangue o 10% de Síria, o 4% de Marrocos, o 2% de Egito ou o 1% de Líbia. Não. Israel é a prova inquestionável de que o Povo Judeu tem logrado sobreviver a um exílio milenário que rematou há pouco mais de meio século com a fundação do Estado Judeu. Quer dizer, com a implementação do programa sionista, que a judeofóbia nas suas distintas variantes, a cada qual mais disparatada, não é quem de suportar. A ideia tolerável contemporaneamente do judeu, no melhor dos casos, é a de Ana Frank: a ideia duma judía morta –e que se tiver ousado sobreviver teria sido automaticamente considerada culpável de “crimes contra a humanidade”.
Para os que nascimos a partir da segunda metade do século XX não é possível entender racionalmente a nossa época sem a clarividência funesta da Shoá, do extermínio na sua variante mais definitiva e hipertrofiada nos lager concentracionários. E isso é o que dota plenamente de sentido a data refundacional de 1948 e a defesa do Estado de Israel como baluarte contra o escurantismo e as formas de barbárie todas.
Israel significa para mim um miragroso anacronismo, uma comunidade nómada que se resistiu a desaparecer na conjura genocida dos séculos e no vértigo do consumo imediato dos nossos dias. É por isso que quando em Shabat uma jovem de Hebron ou Jerusalém prende o azeite na ponla duma menorá à caída da tarde, não faz senão rememorar a fascinação que sentiu Moisés aos pés do monte Horeb diante daquela silveira ardendo, no assombro reinventado numa rara elipse detida e imóvel.
Como uma frecha projectada num profundo sono de mais de quatro milênios.
*Texto incluído no libro colectivo "Que representa Israel para min"(2011) editado pola Asociación Galega de Amizade con Israel-AGAI
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