A língua torna-se uma arma política contra Israel

Em cima: Placa da Calçada do Muro dos Lamentações (ou Muro Ocidental) hoje em dia, em hebreu, árabe e inglês. Em baixo: a dita na época da ocupação jordana (1948-1967), apenas em árabe e inglês (*)
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Artigo publicado no Portal Galego da Lingua.


Desde GZ-Israel os nosos parabéns ao PGL pola oportunidade outorgada ao autor do artigo de poder explicar -que non é pouco- cal é a realidade lingüística no Estado de Israel. Coa publicación do artigo, o PGL amosa que outro xeito de facer esquerda nacionalista en Galiza é posíbel. Sen censura, sen seitarismos, sen purgas nin ameazas, dando a voz a quen como no caso de Joao Guisan ten coñecemento do que fala e de como o fala.


«O que importa é poder insultar Israel, linchar Israel. As grandes contra-argumentações aos meus argumentos foram: Israel é um Estado racista, genocida e agressivo “por natureza”»
Se eu conseguisse explicar o conflito árabe-israelita no espaço de que disponho, deveriam dar-me o prémio Nobel da Paz e o de Literatura, e pode que o de Física até, pois estaria a descobrir um novo conceito, sumamente elástico, do espaço.
Este artigo quer ser uma resposta a um outro publicado neste mesmo PGL, intitulado “A língua torna-se uma arma política em Israel” e às reacções que um meu comentário lá suscitou. O problema de espaço a que aludo vem do facto de todas as atitudes registadas a respeito serem atitudes “totalitárias”, nos vários sentidos do termo, mas especialmente no etimológico que quer dizer “relativas à totalidade”. Israel questiona-se como um todo necessariamente perverso que não pode conter nem um só aspecto positivo, e assim resulta de veras difícil poder tratar algum aspecto parcial dele, porque então temos que nos retrotrair à criação do Estado de Israel, ou ao cativeiro na Babilónia até, ou pode que (seguindo a mitologia pró-palestiniana) ainda além.

Vamos tentar ir por partes, porém. Primeiramente o artigo. Dizia no meu comentário que não passa de um juízo de intenções, o que foi contestado, por sua vez, por alguns comentários posteriores. Mas vejamos. “Factos” recolhidos no artigo:

- Os cidadãos árabes de Israel fruem de direitos democráticos como o do voto
- O árabe é língua oficial em Israel, junto com o hebreu
- Na cidade de Lod, de 67.000 habitantes, com 25% de árabes (16.750 pessoas) há “apenas” 2 trabalhadores sociais de língua árabe. (E eu pergunto-me, em quantas cidades árabes, de mais de 16.750, de qualquer país árabe, não há um nem um só trabalhador social que fale árabe nem língua nenhuma? A contratação desses trabalhadores é, aliás, competência das Câmaras Municipais, em cuja composição participam os cidadãos árabes por meio de eleições livres com sistema de proporcionalidade directa. Da própria referência a esta pequena cidade cabe coligir, ainda, que no resto de Israel esta desproporção não se regista)
- A taxa de assassínios é maior nas zonas de maioria árabe do que nas zonas mistas.
- As pessoas que não falam hebreu têm direito a um intérprete, sempre que solicitado, quando são presentes a tribunal.
- Num juízo a que a autora assistiu há pouco, um acusado árabe tentou falar em hebreu.
- Uma rede de cafés, a “Aroma Tel Aviv”, instruiu os seus funcionários para falarem hebreu à frente dos fregueses (A cadeia está radicada em Tel Aviv, cidade com 93% de população judia e só 2% de árabe, e está presente também em Berlim, onde acho que a instrução não deve ser essa, mas a de falar alemão. Há contudo uma classe de locais em Tel Aviv onde se ouve falar muito árabe: os pubs de ambiente gay, frequentados pelos homossexuais árabes que recebem automaticamente asilo político em Israel quando têm que fugir à intransigência dos países de origem)
- Uma série de TV cómica em Israel fez troça do assunto
- Um director de uma escola pública de Jafa proibiu uma vez dois alunos árabes de falarem a língua deles (Repare-se mais uma vez no carácter marginal do dado, que demonstra aliás: primeiro, que os rapazes árabes recebem instrução nas escolas públicas de Israel ao lado dos rapazes judeus, e segundo, que só numa delas se registou um incidente assim)
- Os livros de texto em língua árabe editados em Israel registam muitas gralhas (não se especifica o número de gralhas que se registam nos livros em hebreu, nem nos livros de texto em espanhol publicados em México, por exemplo)
- A lei de educação pública de Israel reconhece o direito ao uso do idioma, cultura e religião das minorias.
Não sei se com esses dados vocês conseguem desenhar o panorama de uma discriminação linguística rigorosa, planificada e ostensiva. Uma discriminação generalizada a que se possa atribuir a característica de “política de Estado”. E vejo aí um Estado livre e liberal, em que a “língua dos inimigos” (igual que a cultura, igual que a religião) é respeitada como nunca em nenhum conflito das mesmas características foi. Eu vejo aí é uma vontade demagógica, da parte da autora, de implicar, de torcer as voltas quanto for preciso para atacar Israel. Israel é o mau da fita e tem de o ser em todos os aspectos. Não pode ter nem um só positivo. É um escrito dirigido a uma paróquia de adeptos submissos, prestes a aceitar qualquer acusação contra Israel, por pouco, ou nada, fundada que seja.
O resto do artigo são, como dizia, meros juízos de intenções. Fala-se sempre em “futuríveis”, de uma proposição para mudar a definição de Israel, de um projecto de lei... Proposições e projectos.
Utilizam-se constantemente expressões do género “se for aprovado”, “cada vez que surgir”, “degradaria”, “deixaria”, “poderiam”, “significaria”, “não haveria”, “não poderiam”, “poderia ser visto como”, “a iniciativa talvez represente”...
É tudo hipótese atrás de hipótese, o que leva a raciocínios delirantes. Como a afirmação de que por trás das gralhas dos livros de texto há uma clara intencionalidade política, ou que, quando três maridos árabes assassinam as suas respectivas mulheres, a culpa é... Não adivinham? Não dos três maridos árabes. Nem pensar que da cultura machista muçulmana... A culpa é sem dúvida do Estado de Israel!
Claro que, para isso, a autora se baseia perversamente na anuência de uma audiência desejosa de acusar Israel de não importa o quê. Assim, repare-se que na nota de apresentação do texto dá-se um salto da hipótese ao facto. Diz-se que “denuncia o aguçamento da descriminação”, quando ele, como acabámos de ver, em todo o caso, anuncia o início de uma hipotética discriminação.
Mas o artigo ignora também alguns factos que qualquer pessoa que desejar informar-se antes de opinar, pode conferir:
- Os direitos linguísticos da minorias estão reconhecidos na própria Declaração de Independência, que é o que há em Israel de mais parecido com uma constituição.
- O árabe é primeira língua também para uma parte importante da população judia de Israel. Para além dos árabes cristãos que tiveram que fugir dos territórios sob domínio da ANP (Autoridade Nacional Palestiniana), nomeadamente da zona de Belém, há um outro contingente de refugiados de que nunca também se fala: 800.000 judeus que tiveram que fugir dos países árabes em 48 por causa dos progroms a que foram submetido na sequência da primeira guerra árabe-israelita. A maior orquestra de música andalusi do mundo, por exemplo, não está em Fez, nem em Marrakech, mas em Jerusalém: a Orchestre Andalou d’Israël.
- Para Israel é uma necessidade estratégica manter um bom grau de conhecimento de árabe entre a sua população. Constitui uma das vantagens operativas do Mosad, por exemplo. Graças ao dito acima, Israel pode dispor de comandos operativos falando árabe com perfeito sotaque iraquiano, egípcio ou marroquino, quando o precisar.
- Toda a população árabe de Israel escolarizada (toda a nascida depois da criação do Estado de Israel) conhece e compreende o hebreu. A autora fala como se as duas comunidades linguísticas fossem impermeáveis, mas felizmente são permeáveis. Nenhum cidadão árabe de Israel pode ficar desinformado ao ler um letreiro ou ouvir uma indicação em hebreu. E contudo, o normal é que encontre essa informação em árabe. Mesmo nos territórios sob controlo da ANP muitas pessoas (por interesses comerciais ou profissionais), sabem falar hebreu.
- Dentro do Israel de hoje moram mais pessoas cuja primeira língua é o russo, do que pessoas cuja primeira língua é o árabe, e contudo o árabe tem um reconhecimento legal e protecção de que o russo carece.
- Dentro de Israel falam-se duas variedades linguísticas, como o iidish e o ladino, autenticamente judias, e outra do mesmo tronco do hebreu, como o aramaico, que contudo, não têm o mesmo grau de reconhecimento legal e protecção que o árabe tem.
- Uma pessoa de língua árabe pode completar em Israel todos os seus estudos, desde os elementares aos Universitários, na sua língua.
- O grau de escolaridade da população árabe de Israel, em média, está muito acima do de todos os países árabes
- Os únicos cientistas árabes com reconhecimento internacional (como Hossam Haick, especialista em nanotecnologia e considerando um dos 50 maiores do mundo na disciplina) são árabes israelitas, que estudaram em Israel e trabalham em laboratórios e empresas israelitas.
- O inglês é a verdadeira língua de cultura comum a todos os habitantes de Israel, quer falem hebreu, russo, árabe, francês, espanhol, iidish, turco, ladino, etc., nas suas casas.
- Uma das minorias étnicas da zona são os beduínos. Povos nómadas que falam uma variante desprestigiada de árabe mas que os árabes não consideram árabes. Os ciganos de Oriente Médio. Os beduínos, muçulmanos, são firmes defensores de Israel, e, igual que os drusos, costumam fazer parte das suas forças armadas (caso inaudito, porquanto Israel reconhece o direito à objecção de consciência política, e só uma pequena parte dos árabes, quase sempre cristãos, decidem voluntariamente ir à tropa). E são pró-israelitas porque é o único país onde não se sentem discriminados.
Quanto aos comentários que seguiram ao meu, uma sinóptica visão deles revela logo uma evidência que acaba por desvendar o sentido do próprio artigo: a questão linguística pouco importa. O que importa é poder insultar Israel, linchar Israel. As grandes contra-argumentações aos meus argumentos foram: Israel é um Estado racista, genocida e agressivo “por natureza”.
Todas elas podem-se rebater de uma só cajadada e com quatro dados. Não existe nem uma só disposição discriminatória na legislação israelita. O povo judeu, para os judeus (não assim para os nazis), não tem a ver com qualquer componente racial, mas cultural (e religiosa para uma minoria), e portanto dificilmente pode ser racista. A chamar de racista Israel, não se está a insultar Israel, mas todas as vítimas do racismo. Enquanto os nazis em três anos acabaram com mais de uma terça parte da população judia da Terra (6 milhões de 17, a população judia actual ainda não recuperou o volume que tinha em 1942, quando a população mundial se triplicou), nos 63 anos de lutas contra Israel, apenas 40.000 palestinianos morreram como consequência. No mesmo período 41.000 morreram em lutas intestinas ou com outros árabes. Os territórios palestinianos registam um dos índices de crescimento populacional mais alto do planeta, e uma das taxas de mortalidade mais baixas. Qual genocídio?
Alguém chegou a conceder, pelo menos, que quem assassina (que quer dizer matar propositadamente) uma criança indefesa é um filho da puta, com independência da farda que levar, do exército de Israel ou das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa. Excelente. Ora, só peço que alguém me demonstre que uma só vez o exército de Israel disparou propositadamente contra uma criança. Enquanto as Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, ninguém o põe em dúvida. Eles próprios rufam-se de tais “feitos”. Como, por exemplo, do massacre de Bar Mitzvah (cerimónia judia equivalente à primeira comunhão no cristianismo) em 2002. Eles reivindicaram sem pudor o atentado, dirigido contra crianças de 12 anos, e difundiram um vídeo do autor a anunciar o seu propósito.
Um outro qualificou de “natural” a reiterada e obsessiva declaração do carácter árabe do futuro Estado Palestiniano que faz a sua Carta Nacional, que eu opunha ao citado reconhecimento dos direitos das minorias da Declaração de Independência de Israel. Ora, nos territórios em que se pretende construir o futuro Estado Palestiniano não vivem apenas árabes. Há outras minorias, como os próprios beduínos, samaritanos, drusos e também judeus que ali viveram (por exemplo em lugares como Hebron) de forma continuada desde milhares de anos (não estou a falar em colonatos criados depois de 67).
Se a falta de reconhecimento destas minorias na Carta Nacional Palestiniana não chegasse, na semana passada o “embaixador” da ANP nos EUA declarava que no futuro Estado Palestiniano não poderia viver um só judeu. O próprio Mahmoud Abbas há um ano, ao tempo que pedia o envio de forças de interposição da ONU, dizia que, nelas, não poderia haver judeus. Gostava que alguém lhes explicasse a ambos a diferença entre ser anti-israelita e anti-semita, e que eu vejo tão pouco clara como eles. Mas do lado contrário.
Em árabe não cessaram de proferir, por 60 anos, o seu desejo de deitar todos os judeus ao mar o egípcio Nasser e o não menos egípcio Arafat, ou de louvar Alá por ter enviado Hitler o qatari Al-Qaradawi, guia espiritual da Qatar Foundation, fundada pelo mesmo Emir golpista que fundou Al-Jazira, meio em que o artigo apareceu originalmente publicado.
Por isso a mim emocionou-me até à entranhas, quando visitei Israel pela primeira vez, ver as simples placas de sinalização das estradas e das ruas escritas em árabe (ao lado do hebreu, e do inglês). Ver jornais escritos em árabe, ver crianças árabes, não a pedir esmola nem a trabalhar (como na Jordânia, no Egito ou nos territórios palestinianos), mas no seu autocarro escolar a caminho da escola. Porque tudo isto acontece num país que leva 63 anos de guerras com os árabes. Um país rodeado de países árabes com hostilidade manifesta, que já o tentaram destruir por três vezes.
Como dizia há pouco o escritor argentino Marcos Aguinis: “Israel não é um país perfeito, mas é exemplar”.
E agora já podem começar a disparar.


(*) Durante esta época, a fim de degradadar o único local sagrado dos judeus, para além de o usar para incineração de lixo, o seu nome foi mudado pelo de "Cavalariça de Al-Buraq", por os muçulmanos defenderem que foi lá que Maomé estacionou a sua burra voadora, Al-Buraq, quando viajou pelos ares da Meca a Jerusalém numa noite.
Eis a ligazón do artigo publicado no Portal Galego da Lingua

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