A evolução dos kibbutzim



A evolução dos kibbutzim
Nahum Mandel / Especial para ASA
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O movimento kibbutziano está comemorando cem anos de existência!
Ninguém compara uma pessoa de cem anos com o bebê (ou o feto) que era quando nasceu… Não entendo como pessoas sensatas e racionais se admiram de que o kibutz de hoje seja diferente do que era há cem, 50, 10 anos atrás! Esse pensamento é um disparate: até rochedos mudam com o tempo, devido à erosão, por exemplo. O kibbutz é um organismo vivo, orgânico, que nasceu, cresceu e se desenvolveu. Lamento desiludir os que pensam que está para morrer – está vivinho da silva! Como disse nosso Lavoisier antes de perder a cabeça na guilhotina: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, inclusive o kibutz.

Em minha última visita ao Brasil, me encontrei com muitos ex-kibbutznikim que me interrogaram com avidez nostálgica: “O que está acontecendo nos kibutzim? Já não são o que eram...” Pois é naturalíssimo!!! O que eles esperavam? Que o kibbutz das décadas de 1950-60 fossem embalsamados como múmias e depositados em museus?

Uma pequena observação: imagino que a maioria de meus interlocutores, quando jovens, teve contato com o marxismo e devem recordar-se de que a superestrutura é função da infraestrutura e, quando esta muda, ela (a ideologia, a cultura etc.) também muda. O kibutz não é uma exceção. Não pretendo historiar o que se passou nos kibutzim durante o último século. Necessitaria escrever um livrão enorme... Realmente comecei (em hebraico) a relatar o que recordo de minha experiência pessoal durante mais de 60 anos. Completei 50 capítulos (até a atualidade), mas não creio que o livro já esteja em condições de ser divulgado. Necessita ser lapidado, e até muito.Em todo caso, para não me esquivar do tema, relatarei uma pequena lista das transformações mais importantes, ao meu ver:

- No começo, somente solteiras e solteiros eram aceitos no kibbutz. Quando o kibbutz se estabeleceu melhor, em especial economicamente, surgiram as primeiras famílias, e depois vieram crianças. Tudo natural.
- No princípio, as roupas dos haverim, depois de lavadas, eram arrumadas no depósito (“comuna”) – quem precisava de alguma veste, ia escolher. A particularização das roupas, numerando-as, foi uma verdadeira revolução conceitual-ideológica.
- A introdução da chaleira elétrica particular no quarto dos haverim (cada residência tinha então um único quarto, sem quitinete nem banheiro) abalou os alicerces ideológicos do kibutz e causou maior fenda que a queda dos muros de Berlim. Depois dela, as residências dos haverim foram invadidas por um dilúvio de aparelhos eletrônicos: rádio, televisão com tela a partir de 42", computador, condicionador de ar, geladeira, frigideiras, fogão elétrico e de micro-ondas, lava-louças, aspirador de pó, e desculpem ter esquecido muitos outros. Devo observar que a autorização do uso de chaleira particular requereu a convocação de um Congresso Nacional dos kibutzim em Israel.
- A construção de banheiros nas moradias dos haverim e o consequente fim dos banheiros coletivos foi um terremoto ideológico no kibutz. Os banheiros de zinco tinham suas vantagens.
- O pernoite das crianças na casa dos pais provocou antes de mais nada uma crise econômica devido à premente necessidade de acrescentar dezenas e centenas de quartos às residências dos pais.
- A decisão de que cada membro do kibbutz passe a se responsabilizar pelo seu sustento faz com que no nosso kibbutz, por exemplo, metade dos que trabalham sejam assalariados fora dele.

- Finalmente, a particularização das verbas dos haverim (as propriedades coletivas continuam coletivas) revolucionou a estrutura organizacional do kibbutz. Quase todas as comissões desapareceram. Os membros não dependem mais de comissões, cada um resolve por si o que fazer com o que possui. Na minha humilde opinião, esta é a transformação mais importante que aconteceu!! Finalmente, o kibbutz se tornou uma sociedade coletiva democrática, de membros independentes e livres, donos de seus destinos! Se me perguntassem qual, na minha opinião, é a mudança mais impressionante que ocorreu no kibutz, eu diria: a paisagem. Até uns poucos anos atrás, o orgulho do kibutz era a sua vegetação (árvores, arbustos e, principalmente, o seu enorme gramado). Hoje, nosso kibbutz é um verdadeiro estacionamento de carros – uns 150 carros particulares de haverim + uns 50 carros do kibutz + carros de visitantes. Além destes, há estacionamento para uns 200 carros de pais de fora do kibbutz, que diariamente trazem filhos (desde um ano de idade até o fim do sexto ano primário) para estudar nas nossas escolas. Ao lado de nossas Águas Termais, há estacionamento para ônibus e carros que trazem de mil a 1500 clientes por dia!

Sei da enorme curiosidade que desperta a pergunta se o kibutz ainda é kibutz! Acalmem-se: é! Mais do que nunca. Na verdade, não se pode mais inquirir sobre “kibutz”, e sim sobre “os kibutzim”, pois não existem dois kibbutzim idênticos. Cada kibutz tem sua própria “personalidade”, sua organização interna e seus estatutos, que devem ser aceitos e registrados na autoridade estadual controladora das organizações coletivas e cooperativas de Israel. São perto de 300 kibbutzim. Querendo referir-se a kibutz, deve-se definir antes “qual”, para não falar bobagem. O que é relevante para o nosso kibutz não o é para os nossos kibutzim vizinhos. Pessoalmente, sou feliz no meu kibutz. Ele é bonito, acolhedor, a relação entre os membros é amigável e correta. Há pouco adicionaram 20 metros quadrados em minha residência. A verba que recebo como aposentado (com 83 anos de idade, por enquanto...) é mais do que suficiente para minhas necessidades e o financiamento de meus hobbies (maluquices) – câmaras fotográficas e computador. Ainda conseguimos, eu e minha cara-metade, economizar para sair anualmente de férias. De dois em dois anos damos um pulinho ao estrangeiro: no ano passado, estivemos no Brasil, e nosso próximo objetivo é algum país europeu, se estivermos em condições físicas... Sempre almejei visitar a China, mas quando tinha as forças, não tinha recursos – agora que tenho recursos, não tenho forças. C’est la vie!
Por favor, não considere este um artigo de propaganda. Ninguém me pagou para escrevê-lo .

* Nahum Mandel (http://www.gaash.co.il/~nahummandel) é membro do kibbutz Gaash (entre Tel-Aviv e Natania), onde vive desde 1951..

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