UN KIBBUTZ EN ANGOLA


Por Henrique Botequilha e Ricardo Bordalo
em Wako-Kungo

Um antigo colonato na antiga Santa Comba, actual Wako-Kungo, foi convertido num projecto agrícola governamental inspirado nos kibutzim israelitas, visando a reintegração de ex-combatentes angolanos. Desde 2003, o colonato de 231 casas, um dos maiores em Angola no tempo colonial, foi ampliado para 600 habitações, devolvendo a vida a Wako-Kungo, município da Cela, num vale verdejante em plena província do Kwanza Sul. "O objectivo é a segurança alimentar", explica António Russo, responsável do projecto Aldeia Nova, nome atribuído a esta iniciativa governamental a replicar em mais sete províncias e que o partido no poder, MPLA, tem usado nos tempos de antena para as legislativas de 5 de Setembro como um exemplo do renascimento agrícola do país.
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Angola, segundo Russo, "importa dois mil milhões de dólares em alimentos", reflectindo a falta de produção agrícola num país que apenas aproveita quatro a 6% da terra disponível e passou por enormes alterações demográficas desde o período colonial, "quando havia quatro produtores rurais para um consumidor urbano". O rácio está actualmente empatado: oito milhões nas cidades e oito milhões nas províncias. "É importante que estes oito milhões produzam alguma coisa para o país ser auto-sustentável", diz António Russo.
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O investimento de cem milhões de dólares (67,6 milhões de euros) na Aldeia Nova centrou--se na recuperação e construção de oito aldeamentos (a que somarão outros seis) e também num centro logístico, que organiza e apoia a produção agro-pecuária da Aldeia Nova. Dezenas de casas perfilam-se no vale de Wako-Kungo. Todas iguais, com os seus 70 metros quadrados, abastecidas com energia (proveniente de 32 geradores) e água e mobiladas pelo projecto, incluindo televisor. Cada habitação, cada família tem a sua história, que envolve um dos elementos do tripé essencial do conflito angolano terminado em 2002: tropas do Governo, tropas da UNITA e civis fugidos ao conflito armado.
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Os novos agricultores integram uma experiência do Executivo de Luanda, na sua busca por um modelo agrícola para o país. Técnicos israelitas partiram para o Wako-Kungo, explicando como funcionam os kibutzim, que os angolanos tentarão adoptar localmente. Na Aldeia Nova, diz Russo, além do objectivo político de reintegração de 300 ex-combatentes (num universo de mais de cem mil desmobilizados), procura-se reactivar uma zona que, nos tempos de Santa Comba, "foi importante do ponto de vista agrícola". Se dúvidas persistem sobre o modelo a seguir no país, o responsável da Aldeia Nova assegura que este terá de seguir a agricultura intensiva "para ter impacto na balança comercial".
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Por cada família, o projecto Aldeia Nova gastou cerca de 30 mil dólares (20,3 mil euros), que os beneficiários deverão amortizar nos próximos 25 anos. Até lá, receberam vacas, galinhas ou porcos com vista à produção, cuja gestão pertence ao centro logístico da Aldeia Nova. Além dos animais, cada agregado tem direito a três hectares de terra para produzir o que quiser. O leite, os ovos e a carne são encaminhados numa base diária para o centro logístico e suas salas de ordenha, matadouros e instalações de transformação, que se encarrega de escoar os produtos para o mercado com a marca Aldeia Nova. O motor de todo este projecto é a fábrica de rações, servida por extensas áreas de milho e soja, ainda insuficientes contudo para a capacidade de produção desejada de dez toneladas por hora.
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O modelo kibutziano da Aldeia Nova não está isento de críticas. Em artigos, Fernando Pacheco, ex-presidente da Acção de Desenvolvimento Agrícola e Ambiente de Angola, alertou para a gestão centralizadora do projecto, que "impõe um plano" aos agricultores. Por outro lado, afirmou, "a Aldeia Nova é, talvez e por agora, o projecto mais caro no sector agrícola desde a independência", mas não teve "respaldo em estudos adequados", acrescentando ser "um bom exemplo de que o desenvolvimento não é possível só com voluntarismo".
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Entre o colonato português e o kibutz associado a objectivos políticos e militares de ocupação de terras no Médio Oriente, Russo insiste na gestão angolana do projecto e na experimentação que a Aldeia Nova envolve na "busca de um modelo agrícola para o país", que implica o risco de se cometerem erros. Oito igrejas, 12 escolas, seis postos médicos, 160 estábulos, 240 aviários, 80 pocilgas - os números da Aldeia Nova devolvem a grandeza perdida deste vale fértil do Kwanza Sul, que envolvia 1500 quilómetros em valas de drenagem, mas, que, antes da independência, já estava ferida de morte com o abandono progressivo dos agricultores, que foram perdendo a fé no projecto colonial de Santa Comba.

Comentarios

Anónimo dixo…
Um projecto inovador num País com potencialidades para ser um dos mais prósperos e desenvolvidos de África!

joão moreira