Alguém me mandou hoje um enlace (link) para um comentário de José Saramago, sobre Gaza, no blogue «Cadernos de José Saramago».
Gostaria de reproduzir aqui o texto do ilustre escritor, premiado com o Prémio Nobel, para que os meus leitores, se é que os tenho, o lessem e soubessem a que me refiro. Mas não me atrevo a faze-lo, para não violar os direitos de autor de José Saramago, o que além de não ser moral, talvez me custasse muito dinheiro. Mas creio que nada me impede de deixar aqui o enlace, contribuindo assim, ainda que modestamente, para que o seu blogue tenha mais alguns leitores, o que talvez não deixe de ser um acto de caridade, uma virtude que Saramago recomenda. http://caderno.josesaramago.org/2008/12/22/gaza/
O texto fez-me meditar. Se o mesmo sucedeu a outros leitores, só por isso acho que deve ser louvável a sua iniciativa. Não tenho, talvez por má sorte, o dom de compreender sempre o estilo e a eloquência de José Saramago. Mas, pelo que li nesta sua nota, estou inclinado a dar-lhe razão, pelo menos num ponto:
"Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita..." Disso mesmo, como cidadão de Israel, me queixo eu. Suponho que Saramago queira dizer com isso que, em qualquer outro país, um governo lúcido teria tomado há muito as medidas que se impõem para defender os seus cidadãos dos disparos diários de mísseis e morteiros, na ordem das dezenas por dia, com que a população israelita é fustigada, causando a destruição de casas e de culturas, matando pessoas e mantendo populações inteiras, há já sete anos, sem interrupção, em trauma de pavor, com receio de andar nas ruas, de mandar os filhos para as escolas, de conduzir uma vida normal dentro das suas casas. Entendamo-nos.
O senhor Saramago não menciona, certamente por esquecimento, que não por ignorância, que a Faixa de Gaza -ou talvez lhe deva chamar o estado do Hamas - não é uma área ocupada. Foi, sim, uma área ocupada, por razões que o senhor Saramago, certamente por suas muitas ocupações, talvez ignore. Mas só continuou a se-lo, por mais alguns anos, porque, quando Israel negociou um acordo de paz com o Egipto, o primeiro-ministro israelita, Menahem Begin, propôs ao presidente egípcio Anwar Sadat, entregar-lhe Gaza. Sadat não só declinou a proposta, como ameaçou não assinar o acordo com essa condição, fossem quais fossem as suas razões. Israel viu-se forçado a manter a ocupação e a assumir a administração e o sustento da população do que era então uma parte da Autonomia Palestiniana. Até que, no âmbito das negociações entre israelitas e palestinianos para um almejado acordo de paz duradouro e profícuo para ambas as partes,. Israel decidiu unilateralmente desalojar (à força) todos os agricultores judeus que viviam dentro da Faixa, e retirar todas as suas forças militares, até ao último soldado. Ler aqui.
Unilateralmente,porque o governo da Autoridade Palestiniana não quis também assumir essa responsabilidade. Israel continuou, além de administrar e de provêr os serviços essenciais, a abastecer, de sua conta, electricidade, combustíveis, produtos alimentícios, medicamentos, etc. à Faixa de Gaza. Só que então os camiões israelitas deixaram de levar os produtos ao seu destino final, porque não estavam autorizados a atravessar a fronteira. Chegados ali faziam (e continuam a fazer) o transbordo para veículos palestinianos. Os canais continuaram abertos para que habitantes da Faixa, tal como os dos restantes territórios da Autoridade Palestiniana, recebessem tratamento nos hospitais de Israel, em todos os casos em que um tratamento específico não estivesse disponível. Foi essa a grande oportunidade para o Hamas, à revelia das autoridades palestinianas de Ramallah, com a participação das restantes milícias fundamentalistas activas em Gaza, e com o apoio financeiro e logístico de outros países e organizações terroristas árabes, de cujas pressões os governos das nações árabes se procuram com pouco êxito defender, bombardear diariamente as povoações israelitas vizinhas da sua fronteira, além de porfiar em atentados terroristas.
Vem aqui a altura de completar a citação da frase do ilustre escritor, interrompida acima: «...esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação.». Interrompi esta frase na citação acima, porque não consegui compreender: A quem se refere o autor? - pergunto eu. À cultura das minorias, que, a passos largos, avançam para o domínio da Europa? Ao desprezo com que olham o mundo do alto da sua insolência? À base da sua educação?
Como é? Bombardear populações pacatas do lado de lá das suas fronteiras, mas apelar para a humanidade do governo israelita, para que não feche essas fronteiras e não interrompa os abastecimentos, a electricidade, os medicamentos?
Colocar os lança-mísseis no seio das suas populações civis, junto a escolas e hospitais, e apelar para a caridade para que essas populações não sejam atingidas por possíveis retaliações?
Lucidez têm os dirigentes do Hamas, que pediram tréguas de seis meses, para se abastecerem e aumentarem o seu arsenal bélico, através dos túneis subterrâneos, que as autoridades egípcias persistem em não localizar.. E durante esses seis meses continuaram ou permitiram a continuação, embora reduzida, dos seus bombardeamentos. Terminadas as tréguas, recusaram-se a prolongá-las, vangloriando-se publicamente de que agora já dispunham de mísseis capazes de chegar até Beer-Sheva. No dia de Natal, em plena chuva de foguetes e morteiros sobre as populações civis israelitas, o Hamas pediu uma nova trégua, de um dia apenas, para os israelitas reabrirem as passagens da fronteira, para abastecimento "humanitário". E em quanto este decorria, voltaram os "Kassam" e os morteiros!
Tem razão o senhor Saramago: o ridículo não mata os políticos... nem os escritores. Quanto aos soldados, coitados, merecem mais consideração. Eles só podem fazer o que lhes mandam fazer.
São realmente ridículos os políticos de Israel – dou razão nesse ponto a José Saramago - empenhados como estão em ridículas e comezinhas discussões políticas entre si, em vez de aprenderem de vez as lições tão evidentes dos dirigentes do Hamas e seus aliados. Se já lhes tivessem seguido o exemplo, seria realmente falta de humanidade para com uma população inocente, que não sabe ou não pode defender-se do seu verdadeiro inimigo – o Hamas. Mas as crianças de Sderot não são menos inocentes. A uns e a outros, o escrito de José Saramago prestou um mau serviço. Talvez pior ainda para as crianças de Gaza. Elas deverão esperar que ainda um dia o senhor Saramago tenha Lucidez para distinguir o que é o verdadeiro sentimento humanitário, não o confundindo mais com as ideias políticas em que se apoia...
Porque, infelizmente, a conclusão que se colhe do que Saramago escreveu, é, na minha inculta opinião, que bastaria o governo israelita proceder exactamente como o Hamas, e os bombardeamentos contra Sderot, Ashkelon e os kibutsim da área já teriam terminado há muito. As populações ter-se-iam recuperado, pouco a pouco, dos seus traumas, os pais poderiam deixar as crianças ir livremente às escolas, as pessoas não teriam receio de andar nas ruas. Uns e outros talvez encontrassem tempo e disposição para lerem as muitas traduções em hebraico de livros de José Saramago, que por aqui se vendem.
Inácio Steinhardt
Judeu, israelita e português.
Em tempo - UM AVISO AOS LEITORES - Atendendo a que vivemos numa zona em que "chega a passar um quarto de hora sem acontecer nada", este apontamento poderá estar já desactualizado, quando for lido.
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