Por Vitalino Canas*
Vítima de ideologias, de preconceitos e de déspotas europeus de várias eras, o povo judeu é credor de uma dívida que a Europa ainda não saldou. Por outro lado, o movimento sionista é sobretudo uma criação europeia. Emergiu na Europa nas duas últimas décadas do século XIX. O termo sionismo foi cunhado por um judeu vienense, Natham Bernbaum. Sob a liderança política de Chaim Weizmann, europeu cosmopolita, nascido na Rússia, educado em Berlim e em Genebra, professor em Manchester, presidente quase ininterrupto do movimento sionista mundial entre 1920 e 1946 e primeiro presidente de Israel, os judeus foram encorajados pela diplomacia britânica e por muitos europeus. Acresce que Israel é seguramente o único Estado do Médio-Oriente que, com algumas limitações, pode exibir um funcionamento democrático, na linha do parlamentarismo europeu. Tudo isto e muito mais deveria levar a que o Estado de Israel e os israelitas fossem encarados como aliados naturais e privilegiados da Europa. No entanto, um inquérito da EOS Gallup realizado para o Eurobarómetro mostra que uma altíssima percentagem dos europeus considera Israel uma das principais - se não mesmo a principal - ameaça à paz mundial. É certo que o estudo parece padecer de erros técnicos perturbadores. Pode suspeitar-se, inclusive, de alguma leviandade no respectivo lançamento. Mas não há fumo sem fogo. E com estes ou outros resultados, é insofismável que os israelitas são vistos com alguma antipatia por uma parte significativa da opinião pública e publicada europeia. No final de Outubro, um grupo de mais de 150 políticos europeus, entre os quais vários deputados portugueses, visitaram a Jordânia, Israel e a Cisjordânia. A iniciativa partiu de uma ONG recentemente criada, o Med Bridge, com o apoio de várias entidades não-governamentais europeias, entre as quais o Arrábida Conflict Prevention Iniciative, da Fundação Oriente. O objectivo era compreender no terreno a angústia de israelitas e palestinianos e avaliar como é que a Europa pode desempenhar um papel que fuja ao estereotipo actual: está normalmente ausente, mas aos olhos dos palestinianos, a Europa serve Israel enquanto aos olhos dos israelitas é pró-palestiniana. Não posso assegurar que o objectivo tenha sido atingido. É certo que viemos com os ouvidos cheios de apelos: o rei da Jordânia, o primeiro-ministro de Israel, o líder da oposição trabalhista israelita, deputados árabes e judeus do Knesset, membros da liderança palestiniana, todos nos disseram, em uníssono, «que venha a Europa...». Mas também é seguro que a delegação europeia foi bem o espelho dos sentimentos contraditórios que nos dividem. Quase tão forte como a unanimidade (aparente?) a favor de um papel mais intenso da Europa, só uma coisa: a paixão e a imoderação que transparece em todos os sectores, independentemente da ideologia política, da geografia, da etnia, da religião, da idade. São imoderados os israelitas e os palestinianos. São imoderados os judeus e os árabes e até, se calhar, muitos dos cristãos. São imoderados os da esquerda, os da direita e os do centro. É a imoderação de Sharon que preside hoje aos destinos de Israel. A imoderação que não deixa ver que a política dos colonatos, a inviabilização económica de um Estado palestiniano, a construção do muro/vedação que cria guetos palestinianos além da linha verde (fronteira anterior a 1967, reconhecida pela comunidade internacional), a eliminação selectiva de alvos, com vítimas civis, só gera escalada e ódio. É a imoderação de Arafat que preside aos destinos dos palestinianos. A imoderação que não admite nem contribui para garantir o interesse vital da segurança de Israel e que não reconhece que Israel não pode receber todos os refugiados que desejam regressar ao seu território. Poderá o novo primeiro-ministro palestiniano, Ahmad Qorei quebrar com esta lógica? Porque no conflito israelo-palestiniano falta em ambos os lados um sector moderado corajoso, forte e decisivo. Com uns EUA amarrados de mãos e braços pela política inconsistente de Bush para o Médio-Oriente estamos, provavelmente, perante a grande oportunidade da Europa. Essa oportunidade, embora não possa ser contra - ou sem - os EUA, pode e deve basear-se numa opção estratégica diversa da seguida pelos EUA. A Europa deve investir na estruturação de um forte sector moderado, não religioso, no Médio-Oriente. Iniciativas como o acordo de Genebra do israelita Yossi Beilin e do palestiniano Yasser Abed Rabbo, apoiados por figuras tão relevantes como o trabalhista Avraham Burg, ex-presidente do Knesset, líderes como o rei da Jordânia, Abdullah, forças em crescendo, como o partido laico-centrista Shimui do vice-primeiro-ministro de Israel, Tommy Lapid e muitos outros, devem ser valorizados numa política europeia para aquela zona do globo. Soa isto a irrealismo? Estará a Europa irremediavelmente acomodada? Cederá isto perante a pressão das mortes, das bombas, dos terroristas suicidas? Prevalecerá a longo prazo a lógica da reacção cada vez mais violenta? Talvez. Mas depende de nós!
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