OS XUDEUS E AS MOSCAS


Os xudeos e as moscas. Texto da conferencia pronunciada por Pilar Rahola na UNESCO de París o 13 de maio de 2003.

"Há três coisas que Alá não devia ter criado: os persas, os judeus e as moscas"Lida assim, a frase que Saddam Hussein obrigava os meninos do Iraque a repetir, soa grotesca, e é claro, beira o barbarismo. Na nossa civilizada e arrogante Europa nunca diríamos algo assim: nós não temos qualquer coisa contra os persas, nem contra as moscas. Direi mais: as moscas são irritantes, mas fazem parte de tal maneira da paisagem mediterrânea, que terminaram sendo aceitas. De maneira que nós podemos respirar tranqüilos: com Saddam Hussein só nos une o ódio aos judeus.Teria sido esse o ódio que levou tantos manifestantes a queimar bandeiras com a estrela de David, enquanto gritavam slogans a favor de Saddam? Será a judeufobia o lugar simbólico comum onde árabes e europeus nos encontramos, nos reconhecemos e nos gostamos? E, é essa mesma judeufobia a que converte um déspota corrupto e violento como Arafat, num romântico resistente? A que transforma o nihilismo palestino terrorista, numa espécie de novo épico libertador? Sustento, hoje e aqui, para a desgraça do nosso continente dualista, capaz de criar para o mundo as bases da democracia e, ao mesmo tempo, criar os cupins mais ativos que tentam destrui-la, o stalinismo e o fascismo. Sustento que estamos nos voltando em direção aos nossos próprios demônios. Dia-a-dia, sobre as bases do velho anti-semitismo exterminador que moldou nosso pensamento coletivo mais profundo, estamos construindo um novo, ativo e perverso anti-semitismo. "Um anti-semitismo sem judeus", como diria Paul Lendvaï. O fenómeno está sendo elaborado paralelamente a duas atitudes complementares as dos suicidas: o antiamericanismo e a indiferença face a aparição, e a consolidação de um novo totalitarismo, o integrismo islámico. Três são, pois, as flechas que disparam até a mesma e preocupante direção: A conformação do pensamento único europeu, a capacidade de mobilizar as ruas e as consciências da Europa, e a fundamentação em bases destrutivas. O mais grave, do meu ponto de vista e da minha própria militância progresista, é que este pensamento único é das esquerdas. Das esquerdas é o novo anti-semitismo europeu, disfarçado de anti-sionismo; das esquerdas é panarabismo romântico que leva à minimização do terrorismo; e compartilhado com certa direita, das esquerdas vem o antiamericanismo feroz do qual estamos padecendo. Se estamos de acordo que é a esquerda quem configura as idéias de prestígio em nossa sociedade, e que intelectuais da esquerda que são reconhecidos como defensores do progresso, então estaremos de acordo que temos um problema sério. Falemos dele, do novo anti-semitismo e das duas patas peludas que acompanham o monstro. Os novos anti-semitas não se reconhecem como tais. O anti-semitismo é uma clássica expressão da extrema direita, e por isso, a esquerda se transtorna e a nega. O guarda-chuva do anti-sionismo, ou falando diretamente, do antiisraelismo é muito fácil de carregar, retém bem a chuva da crítica e permite um disfarce intelectualmente digerível. De Martin Luther King é esta frase pronunciada em 1967, em sua "Carta a um amigo anti-sionista": Os tempos converteram em impopular a manifestação aberta do ódio aos judeus. Sendo este o caso, o anti-semita procura novas formas e foros onde infiltrar seu veneno. Agora se esconde atrás de uma nova máscara. Agora não odeia os judeus, só é anti-sionista!".Trinta e seis anos depois, a frase continua mais efetiva que nunca, de maneira que o anti-sionismo e a demonização feroz de Israel se converteram numa obrigação do pensamento moral das esquerdas. Como se no catecismo não escrito da esquerda existisse um dogma inquebrantável: ou és anti-sionista, ou não és de esquerda. Eu mesma, em meu país, sou expulsa do paraíso esquerdista, por parte de alguns gurús do dogma, toda vez que não pratico o tiro intelectual ao judeu. Perdão, ao sionista. Perdão, ao israelense. Ou não tudo o mesmo na gramática anti-semita? O resultado é o que estamos vendo. Em sua modelação mais tangível, as agressões dolorosas que estão sofrendo as comunidades judias en vários países. Desde os vetos personalizados eu poderia explicar a dura situação na Espanha até a violência física, como a que padeceram judeus pacifistas na famosa manifestação de Paris. Mas o pior do novo anti-semitismo é que ele se situa no coração da Terra Santa e tem Israel como objeto de tiro ao alvo. Israel é, dia-a-dia, uma autêntica obssesão da esquerda européia e o exemplo mais importante dos cacoetes fascistas que a esquerda apresenta. Estas são minhas acusações: Manipulação informativa, criminalização da legitimidade do Estado de Israel, minimização das vítimas judias, a banalização da Shoá, e indiferença - quando não aplauso - à destruição terrorista provocada pelo integrismo. Primero eu acuso a esquerda de matar a informação a golpes de propaganda. A manipulação informativa do que ocorre no Oriente Médio é tão grosseira e exagerada que passará aos anais do jornalismo como exemplo de intoxicação de massas. Quantos princípios do jornalismo foram quebrados na informação que a maior parte da mídia européia veiculou? Fontes sem controle, tergiversação e manipulação de dados, burla à objetividade, indiferença ao invés do que teria que ser o foco de todo informador: a verdade. Já sei que me dirão que a objetividade não existe, e menos ainda no jornalismo. Mas, entre a objetividade pura e a subjetividade militante, há uma longa distância que jornalismo sério poderia percorrer. E que, com respeito ao Oriente Médio não percorre. A gramática deste novo jornalismo molda dia-a-dia a influente imprensa da Europa Ocidental e é tão poderosa que dela se não salva nem mesmo a mitificada BBC. É uma gramática com regras precisas: Não existem terroristas, senão milicianos; nunca existem vítimas judias; toda ação palestina é boa por naturaza e, por consegüinte, defensiva; toda ação israelense é suspeita de criminosa; não existem os carrascos palestinos; não existe a ingerência internacional; não existe a corrupção de Arafat; e por não existir, não existe nem seu passado violento; e, evidentemente, não existe a democracia israelense. O atentato diário que a informação sofre nas mãos da propaganda, com total impunidade, nem é casual, nem é espontâneo. Eu acuso, pois, parte da imprensa européia de manipular, mentir e trocar as pautas da informação do Oriente Médio. Sua neutralidade, sem dúvida, é uma neutralidade pró-palestina… Segundo, eu acuso a esquerda de banalizar a Shoá, tema este, que não é, em absoluto, menor. Permanecerá escrito nos murais da vergonha européia a atitude de numerosos grupos de ativistas, perfeitamente visualizados nas manifestações pacifistas destes dias, e de muitos intelectuais de esquerda, que usaram a tragédia do Holocausto como arma lançada contra Israel. O ponto culminante desse desprezo profundamente cruel, lançar contra as vítimas da Shoá seu próprio martírio, é uma forma de voltar a matá-las; tais foram as declarações de Saramago em Jenin. A esse respeito, digo o seguinte: Saramago foi o exemplo mais relevante de uma afirmação inapelável: "alguns podem escrever como anjos e pensar como demônios". Em 1884 Auguste Bebel já chamou a isto de "o socialismo dos imbecís". Mas não é só uma imbecilidade. A casualidade, às vezes tão estranhamente poética, fez com que eu escrevesse este parágrafo justamente agora, quando ainda estou sob o impacto do Museu do Holocausto de Washington que acabo de visitar. Como disse este grande construtor da memória que é Claude Lanzmann, a Shoá é "a morte da alma humana". Ante sua recordação, nenhum cidadão do mundo pode ser indiferente. Mas, sobretudo, nenhum europeu pode ser alienado. A Europa criou esse pensamento único e totalitário do Cristianismo que converteu todo um povo em deicida (Por certo, depois de ouvir as sandices de Mel Gibson, suponho que não irão vê-lo nunca mais no cinema). A Europa foi a Inquisição espanhola, foi Lutero asegurando que os judeus "eram uma praga no coração da terra". A Europa foi a demonização, a perseguição, a culpabilização e a morte do melhor de seu próprio corpo, sua alma judia. A Europa foi o Vaticano e suas colaborações com os nazis. Auschwitz não é uma contingência trágica da história. Uma espécie de erro perverso. Auschwitz é a estação final de um grande processo de destruição. Por ele, não é exagerado assegurar que, sendo a Europa tão profundamente judia, com a Shoá, se destruiu a si mesma. O que permanece hoje da Europa são restos do naufragio. Um continente que, seqüestrado por seus próprios demônios, perdeu sua dignidade. Por isso, banalizar a Shoá é algo tão brutal e perverso. Fazê-lo, ademais, a partir da esquerda, a que teria que ser a sentinela mais correta da justiça e da liberdade, é um ato de traição. De traição à memória trágica da Europa. É o sintoma de um novo anti-semitismo? Sem nenhuma dúvida: minimizando o Holocausto, se reduz dimensão da tragédia, se relativiza a culpa européia e o judeu volta a ser suspeito, poderoso e perigoso. Já não existe a vítima judia, existe o soldado israelense que mata meninos em Belém, metáfora moderna do judeu medieval que bebia o sangue de meninos cristãos. Essa relação entre o judeu medieval malvado e o malvado soldado israelense resulta prazerosa para a culpa européia.A esquerda estabelece essa relação até inconscientemente, de maneira que nós podemos dizer que a ortodoxia cristã e a esquerda ortodoxa também coabitam felizes no território inóspito do anti-semitismo. Acuso, pois, a esquerda de traição à memória trágica de Europa. Terceiro, eu acuso a esquerda de minimizar, justificar e inclusive elogiar o novo totalitarismo que ameaça seriamente a liberdade: o nihilismo terrorista islâmico. Os exemplos são escandalosos: indiferença ante ataques graves como a explosão da Amia na Argentina, e o atentado contra as Torres Gêmeas, considerados, por parte de esquerda, quase como responsabilidade americana por causa de sua política externa. Por suposição, com a culpa judia incorporada. A exaltação do terrorismo palestino como fórmula de luta legítima, até o ponto de considerar aceitável inculcar, na sociedade palestina, e globalmente em muitas das sociedades islâmicas, de uma cultura fatalista de ódio e morte, cultura que é, sem dúvida, totalitária. O bom amigo Marcos Aguinis chama a isso "um retrocesso da esquerda para a anti-modernidade". Enquanto perdoa as bombas do Hamas ou se manifesta nas ruas contra a intervenção americana no Iraque, essa mesma esquerda nunca se manifestou contra o integrismo que matou mais de 4.000 pessoas em Nova York, ou contra o que já resultou em um milhão de mortos na guerra do Sudão. Tampouco nunca vi uma ONG que queira enviar escudos humanos para proteger as cafeterias de Tel Aviv. Há uma solidariedade seletiva, derivada de um maniqueísmo perverso que converte os terroristas em vítimas, e as vítimas em culpadas. O integrismo islâmico é o herdeiro natural dos grandes totalitarismos da humanidade, o nazismo e o stalinismo. Como eles, é fundamentalmente anti-semita, e como eles, apresenta um corpo de doutrinas baseado no terror, na anulação de todo princípio de liberdade e o expansionismo sangrento. Também, como eles, atua ante a indiferença e/ou cumplicidade européias. Acuso, pois, a esquerda de trair a democracia perdoando o nihilismo terrorista. Nada de novo, portanto, sob o sol de uma esquerda que foi se enamorando de muitos dos ditadores que a história nos deu: Stalin, Pot Pol, Fidel, e agora Arafat. Órfã da própria história e desconcertada com a bagagem de seus sonhos desvanecidos, a esquerda aponta em direção ao mundo árabe procurando ressonâncias à Lawrence da Arábia. E se apaixona pelas guerras totais, pelos cantos tribais da revolução, talvez convencida de que entre a "revolução ou morte" do Che e o "viva a morte" do Hamas não há muita diferença. Procura por Lawrence de Arábia e, para a desgraça de todos, ainda não descobriu que, com quem se encontrou foi com Bin Laden. E com Arafat, outro velho autoritário, corrupto e sanguinário. Acuso, pois, a esquerda, de não considerar as vítimas do terrorismo, de não entender a ameaça que representa o nihilismo, de trair, com sua cegueira, a democracia. A acuso de chorar, somente, com o olho esquerdo… Uma visão esquerda que, a cada dia, é deliberadamente anti-semita. Coloco o belo exemplo do Fórum de Porto Alegre ou o de Durban? Os resíduos das frustradas revoluções do mundo fizeram ali sua magnífica feitiçaria. O objeto do desejo? É evidente, os judeus. É porque a culpa judaica sempre vende bem nos mercados das demagogia. É, pois, a Europa hoje mais anti-semita que antes? Ou é a França? Hoje Europa e França estão reinventando o anti-semitismo. É reinventado por alguns populismos de direita com forte base católica, e é reinventado pela esquerda, oferecendo-lhe o brilho e o prestígio que antes eram pura retórica da extrema direita. Esse novo anti-semitismo trabalha de forma adequada o esquecimento e a banalização do Holocausto, sabendo que o esquecimento é sempre uma opção. De fato, esquecer-se é ter uma boa memória. Sem dúvida, a esquerda européia tem uma muito boa má memória. E, com o esquecimento bem assentado na ideologia, esquece também as causas da criação do Estado de Israel, converte sua legitimidade em algo suspeito e incrimina seus atos. Israel é, talvez, um dos Estados cuja criação tenha mais base moral entre tantos Estados que existem. E é o único Estado do mundo que a cada dia tem que pedir perdão por existir. Sem nenhuma dúvida, pois, eu acuso a esquerda de pôr em questão a legitimidade do Estado de Israel e de que seus atos sejam considerados, por natureza, culpáveis. Não tem a ver, com ele, a atitude cega do Parlamento Europeu, indiferente ao uso que a ANP (Autoridade Nacional Palestina) faz do dinheiro público europeu? Como é possível, me pergunto em nome da democracia, que seja o dinheiro europeu que financie as escolas do ódio onde meninos palestinos são doutrinados para o fatalismo suicida? Sendo indiferentes somos, inequivocamente, responsáveis por seqüestrar a tolerância e a modernidade, e de permitir que se encadeiem numa espiral de ódio, impotência e vingança, gerações inteiras de palestinos. Permitimos, financiamos e até justificamos. O que nos arremessa novamente à história. Lembram de Hermann Broch?: a indiferença, essa forma de violência… E ela passa porque o ódio aos judeus não levanta bolhas na fina pele européia. "Xô", ódio aos católicos, aos protestantes, aos homossexuais, aos cidadãos negros, mas aos judeus!!!Este é o novo anti-semitismo: O que não se horroriza de que o "Mein Kampf" de Hitler e o abominável "Os Protocolos dos Sábios de Sião" sejam best-sellers no mundo árabe. O que repete os velhos tópicos demonizadores dos judeus, especialmente de instituiçõesde intelectuais.O que se enamora do terrorismo totalitário palestino e, levado a um anti-americanismo patológico, se inibe ante o perigo do integrismo islâmico. O que encontrou na desculpa de Israel, um novo guarda-chuva para onde canalizar um velho demônio. Eu concluo, pois, com esta convicção: O quebra-cabeça do anti-semitismo está sendo novamente armado. Estas são as peças: Primeira peça: o subconsciente europeu, resistente às lições da história e imune às vacinas que tentam matar definitivamente o vírus anti-semita. A Europa livrou-se de sua pele judia, mas não fez isso com seu velho ódio. Segunda peça: um neo-catolicismo populista mais ou menos extremista que também se assenta numa base judeófoba.Terceira peça: um pensamento das esquerdas, que sem haver feito as pazes com seu passado totalitário, se apaixona por novos cenários também totalitários. Assenta, assim, as bases do anti-semitismo mais perigoso, porque a esquerda lhe dá prestígio, lhe dá cobertura intelectual e o arma ideologicamente. Quarta peça: o subconsciente europeu é derivado do duplo complexo que arrasta a Europa. Um grande complexo de superioridade, não em vão, é o berço da modernidade, e um enorme complexo de inferioridadede, posto que é incapaz de resolver nem uma só de suas próprias tragédias. Por extensão o anti-americanismo, é por definição, anti-sionista. Quinta peça: o integrismo islâmico, ideologia totalitária e nihilista, claramente inimiga da modernidade, cuja base se fundamenta no anti-semitismo. Cabe dizer que o fato de que 1 milhão e 200 mil muçulmanos vivam em tiranias teocráticas, não facilita em nada a luta contra a judeofobia. Território comum, pois, em mais de um dogmatismo manichaeano, a judeufobia atual encontra novas camuflagens cresce e se assenta. Hoje, aqui, diante da Unesco, amparada por este exemplo de heroísmo, tenacidade e dignidade que é o Centro Simon Wiesenthal, acuso a esquerda européia - a minha esquerda - de ser a cobertura intelectual do novo anti-semitismo que existe na Europa. Uma esquerda que atraiciona a si mesma, traindo a democracia. Novamente na Europa ser judeu começa a ser difícil. E isso que a Europa mais européia que existiu nunca foi a Europa judaica. Nossa tendência ao suicídio é, desgraçadamente, patológico. Eu o denuncio porque sou européia. E, como tal, me sinto judia diante do anti-semitismo, única posição moral que redime o europeu de um passado de vergonha. Obrigada pelo convite.

Pilar Rahola : Conf. Unesco sobre la Tolerancia. Paris

Comentarios

Israeli dixo…
Hola desde Israel.

Que bueno ver que gente que esta lejos se interesa en lo que pasa aca.
Los invito tambien a entrar a leer y opinar en mi blog:
http://israeldeverdad.blogspot.com/