Por Marcos Gorinstein
Escrever
sobre Amós Oz não é uma tarefa fácil. Principalmente em um momento como
este. Nos despedimos de um dos maiores escritores israelenses. Alguém
que quebrou barreiras. Transformou a si e a outros. Buscou construir
pontes em um mundo onde o poder de destruição é enorme.
Autor com
reconhecimento mundial, teve seu trabalho publicados em mais de 40
idiomas e ganhou dezenas de prêmios dentro e fora de Israel.
Amós Oz
nasceu em Jerusalém, já na Palestina sob Mandato Britânico. O ano de
1939 marcava também o fim da Revolta Árabe que durou cerca de 3 anos e
deixou um rastro de violência e sangue entre ingleses, judeus e árabes.
Seus pais
vieram do leste europeu. Seu pai, Yehuda Arie, nasceu na Lituânia, era
Doutor em Literatura Hebraica e falava mais de 15 idiomas. Imigrou para a
Palestina em 1933. Sua mãe , Fania Mussan, polonesa, estudou filosofia e
história na Universidade Praga e na Universidade Hebraica de Jerusalém.
Eram “Anshei Ruach” (intelectuais). E assim Oz cresceu. Cercado por
livros e debates intelectuais.
Havia uma
lenda que dizia que na porta do seu quarto, quando tinha cerca de 8
anos, havia uma placa onde se lia “Escritor Amós Oz”.
Sua
família era secular era ligada ao Sionismo Revisionista, de direita.
Defendia que o Estado de Israel deveria ser construído em toda a “Terra
de Israel”, ou seja, do rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Estudou em um
colégio religioso, no seu bairro em Jerusalém a outra opção de colégio
era ligada ao movimento trabalhista, socialista. Seu tio avô concorreu
nas eleições para ser o primeiro presidente de Israel pelo movimento
Herut – atual Likud – mas perdeu para Chaim Weizmann.
Além dos
milhares de livros em sua casa, Oz cresceu ouvindo histórias do que
estava acontecendo com os judeus na Europa durante a década de 1940.
Relatos vindos da sua família foram fundamentais na formação do
escritor. Porém o nazismo e o holocausto não foram as únicas tragédias
que o acompanharam durante a sua infância. Quando tinha 12 anos sua mãe
se suicidou.
O menino
que viveu em um ambiente político de direita sai em busca de novos
horizontes. Em 1954, aos 14 anos, deixa a casa dos pais e se muda para o
Kibbutz Hulda, na região da cidade de Rehovot. Viveu por lá até 1985
quando se muda para a cidade de Arad, em busca do ar mais seco e puro do
deserto. Passou os seus últimos anos em Tel Aviv.
Amos viveu
em diversos mundos. Pode, com clareza enorme, entender o que
representava a criação do Estado de Israel para os judeus, o que
representa o direito de se autodeterminar. E por isso não achava que
esse direito fosse exclusividade dos judeus.
Com a
mesma clareza que defendia o direito de existência do Estado de Israel,
também defendia “Dois Estados para Dois Povos”, a idéia do plano de
partilha original da ONU em 1947, no qual os judeus viveriam em seu
estado, assim como os palestinos, em contradição ao mundo familiar
revisionista em que havia crescido.
Dizia que a
ocupação dos territórios Palestinos nos levará a uma realidade em que
um estado árabe será criado e os judeus voltariam a ser minoria. Não
acreditava em estado binacional. E não aceitava a ideia de ser minoria
após ter crescido ouvindo as histórias da Segunda Guerra Mundial.
Soube
relatar como poucos a vida dos judeus na Palestina durante o mandato
britânico e, posteriormente, em Israel. Cultura, política, sociedade,
paisagens, história, estórias, relações pessoais, tudo isso fascinou o
escritor que nos presenteou com diversas obras em que demonstrava o seu
amor por Israel. Não só pelo Estado de Israel, mas principalmente pelo
espírito do povo judeu que se construía por aqui. Suas contradições e
complicações. Suas alegrias e tristezas. Suas narrativas e
contra-narrativas.
Nos levava
para o micro, para as relações familiares que se construíam e
destruíam, para os amores que explodiram e para os desamores que
destroçaram. Sabia enxergar as complexidades do ser humano e as
convertia de forma genial em seus personagens, nem sempre fictícios. A
intimidade de seus livros nos leva para dentro dessas pessoas, dessas
casas, desses grupos, da sociedade e do país que estavam surgindo dentro
de um caos político e social. Oz tinha a capacidade de nos mostrar o
que era Israel. Sabia que, apesar do macro, o micro era o que importava.
Quase uma década depois do seu lançamento em hebraico, enviou, em 2011, uma cópia do seu livro De Amor e Trevas ao
prisioneiro palestino Marwan Barghouti. Barghouti foi condenado à
prisão perpétua por ter apoiado atentados contra israelenses na segunda
Intifada que deixaram cinco mortos. A cópia do livro em árabe foi
acompanhada da seguinte dedicatória: “Essa
história é nossa história. Espero que você a leia e nos entenda melhor,
assim como nós tentamos entender vocês. Espero te encontrar em breve,
em paz e liberdade”.
Em um
mundo em que alguns defendem o fim do Estado de Israel enquanto lar
nacional do povo judeu e outros defendem a não criação do estado
Palestino, Amós Oz buscou algo que esses grupos acabam “esquecendo”: que
autodeterminação representa liberdade, segurança e que todos têm esse
direito. Não era um nacionalista, era um patriota.
Já faz falta, sem dúvida nenhuma.
Publicado en: http://www.conexaoisrael.org/amos-oz-um-gigante/2018-12-31/marcos
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